sexta-feira, 15 de março de 2024

O elefante no meio da Luz


"O Benfica contratou três laterais-esquerdos, adaptou um central e quem aí joga é Aursnes

Éramos miúdos e as parvoíces perseguiam-nos mais do que as miúdas, que tentávamos encurralar mais ou menos na mesma medida que a uma bola na única baliza ainda erguida, ali no intervalo entre o segundo toque e a falta a vermelho. O pre-sen-te! gritado desde corredor de pouco valia. Ou as desculpas quando se levavam recados para casa para que voltassem assinados. Houve o tempo das charadas quando nos perguntavam do meio de nada Sabes qual é o cúmulo da força? É dobrar uma esquina! E riam-se tão irritantes quanto matracas porque não sabíamos ou entretanto nos esquecêramos da resposta, de tanto queijo que comíamos. Tínhamos avós sábios.
Não sei se já mais velho, nas idas ao café antes de montarmos defesa no bilhar, que para nós era snooker, e mostrarmos classe nos dardos criando o molde para o Luke Littler, depois de uma Cuba Libre paga com trocos que sobravam e que nos esticava a adolescência quase até ser dia, as charadas tinham evoluído e havia uma particularmente famosa: Como metes um elefante num frigorífico em três tempos? É simples, pá! Abres a porta do frigorífico, metes o elefante e fechas a porta!
A simplicidade fazia parte da nossa vida e era fácil perceber que nunca a conseguiríamos transportar para a idade adulta e para a realidade futebolística. Não parece haver frigorífico grande o suficiente no Estádio da Luz para esconder o elefante que aparece sempre que o Benfica entra em campo esta época. E não necessariamente ali. Vemo-lo em cada estádio em que a equipa se apresente.
Os encarnados contrataram três laterais-esquerdos, um por empréstimo, já aí jogou e por vezes ainda joga um central adaptado que bateu no fundo das estatísticas dos dribles sofridos, mas é Aursnes, que foi reforço para o meio-campo e se destacou sobretudo como falso extremo, o melhor de todos, não sendo bom, porém, o suficiente. À direita, um paquiderme mais pequeno, talvez descendente do primeiro, também não passa facilmente despercebido quando Bah, de tempos a tempos, sente problemas físicos e, mais uma vez, é o bom do norueguês quem tem de ir apagar o fogo. O tal de Aursnes que, por não estar à frente, não pode contribuir para estabilizar o problema mais vezes identificado: a falência da pressão e da reação à perda.
Não sei de quem é a culpa do tamanho do elefante ou do frigorífico, contudo todos terão a sua responsabilidade por os continuarmos a ver. Schmidt assumiu ou aceitou, tal como a direção decidiu, adiou ou não se preocupou o suficiente com o tema. Que, já se percebeu, pode contribuir para muito do sucesso ou insucesso da época. Mesmo que o culpado já todos o tenham encontrado antes sequer de ser chamado a sentar-se no banco dos réus.
Nesses pelados de antanho, se o gordo ia à baliza, o segundo menos magro era lateral-esquerdo. Gastaram-se milhões em Jurásek, mas não funcionando, o Benfica não pode resolver o problema como nós o fazíamos. Com um qualquer. E, ainda por cima, o elefante vem sempre com uma bela memória."

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