quarta-feira, 13 de março de 2024

O anúncio público das decisões de arbitragem


"Já agora, convém acertar também, ou seja, tomar a decisão certa quando ela for indiscutível nas imagens

É perfeitamente compreensível e até legítimo o sentimento de frustração que se começa a sentir em relação ao anúncio público das decisões feitas pelos árbitros, em lances analisados em sala pela videotecnologia.
A maioria das pessoas tinha uma expectativa em determinado sentido — a de ouvir toda a conversa entre árbitro e VAR ou, pelo menos, a de ter uma explicação cabal em relação à decisão final —, mas de facto não é isso que acontece por enquanto.
Parece óbvio que aquilo que agora se passa em campo é quase uma redundância: o árbitro usa da palavra, colocando todo um estádio em silêncio, para basicamente verbalizar aquilo que qualquer pessoa verá acontecer instantes depois.
No fundo, é a antecipação falada do que vai ser decidido, uma espécie de pré-anúncio do óbvio. É verdade que não parece haver valor acrescentado, algo palpável que sacie a sede de esclarecimento de quem acompanha o jogo com interesse e paixão.
Para que conste, a opção é estratégica. Por enquanto a ideia é medir o pulso às reações e perceber a forma como intervenientes e adeptos adaptam-se a este avanço. Isto porque há ainda o receio de que quem está no estádio não esteja emocionalmente preparado para lidar com demasiada informação. Imaginem, por exemplo, o que seria um árbitro anunciar, ao minuto noventa de um derby escaldante, que seria assinalado um pontapé de penálti decisivo, contra a equipa visitada, num lance que ninguém viu ou se apercebeu?
É precisamente para evitar maus fígados nas quatro linhas ou rebeliões nas bancadas que esta vai ser uma medida progressiva.
Convém sublinhar que este (primeiro) passo não aconteceu mais cedo por imposição da FIFA, que até há bem pouco tempo só permitia a divulgação de áudios após o final dos jogos (e apenas para efeitos pedagógicos). Mas alguns testes preliminares mostraram que esta abertura, ainda que tímida e aparentemente inócua, mereceu aceitação generalizada por parte de maioria dos agentes desportivos, adeptos e imprensa.
Deste lado, o maior elogio que se lhe pode dar é a disponibilidade do setor em finalmente abrir gradualmente as portas da sua casa, antes trancada a sete chaves. Quem ouve agora a voz do árbitro a identificar o lance em análise, os jogadores envolvidos e a decisão final a tomar, fica emocionalmente saciado. É uma espécie de tranquilizante, de palmadinha nas costas, que tende a acalmar as emoções, aumentando a aceitação da análise técnica efetuada.
No que diz respeito à arbitragem, já se percebeu que falar (da forma certa, no momento adequado) credibiliza, humaniza e aproxima o decisor dos restantes mortais.
É o cenário ideal? Não, claro que não. É apenas o início de um caminho importante rumo à transparência total, porque só essa elucidará de verdade quem quer ser esclarecido.
Até que a meta seja alcançada, parece-me importante que os árbitros, que mais uma vez têm que se adaptar a uma realidade nova nas suas carreiras, tenham a serenidade, clareza e capacidade de serem claros, objetivos e afirmativos no seu discurso. Falar para universos tão latos implica personalidade e coragem. Se falharem aí, estarão a colocar em causa a sua própria imagem e a credibilidade da decisão que tomarem.
E já agora, convém acertar também, ou seja, tomar a decisão certa quando ela for indiscutível nas imagens. Quando isso não acontece, o futebol — que é um mundo à parte — não perdoa nem esquece.
O Ferrari só anda bem se o condutor for bom."

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