domingo, 24 de março de 2024

Equipa ou Seleção?


"Discussão semântica sobre as escolhas de Dorival Junior (liberais a mais e conservadoras a menos) que se estreia este sábado à frente do Brasil

A reflexão que aí vem pode ser vista por muitos como mais semântica do que futebolística — e talvez seja mesmo. Mas aqui vai ela mesmo assim. A seleção francesa autodenomina-se Équipe de France, a italiana é conhecida como Squadra Azzurra, a inglesa chama-se English Team e a alemã é a National Mannschaft. Ou seja, todas elas são nomeadas, nas respetivas línguas, de equipa (équipe, squadra, team, mannschaft) e não de seleção, como é tradição nos países de língua espanhola ou portuguesa.
Não há nada de errado nisso, claro. São só palavras. Mas, sobretudo no caso brasileiro, pode ir além e tornar-se um conceito, uma ideia.
Como o Brasil foi abençoado — ou amaldiçoado? — com 60 ou 70 atletas de ótimo nível, as novidades nas convocações da seleção nacional são sempre vistas como um elogiável ato de coragem do selecionador. Já quando uma convocação inclui muitos jogadores do costume, chamam-na, na imprensa, de burocrática e, no boteco, de viciada. Como o Brasil foi abençoado — ou amaldiçoado? — com 60 ou 70 atletas de ótimo nível, os jogadores nucleares por aqui não são tão nucleares assim. Por isso, usa-se muito a expressão, na imprensa e no boteco, futebol é momento, que serve para contestar a presença de um atleta nuclear em má forma e exigir a presença de outro, ainda que inexperiente.
No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia de Ciência de Lisboa, seleção é «a ação de escolher objetos ou indivíduos». Já uma equipa é «um conjunto de pessoas unidas na realização de uma tarefa comum».
Ao chamar um generoso grupo de oito estreantes mas apenas oito sobreviventes do Mundial de há um ano e meio, Dorival Júnior preferiu reunir uma seleção do momento a começar a construir uma equipa com bases sólidas e conhecimento mútuo.
E as seleções costumam perder para as equipas, como no Catar a seleção brasileira perdeu para a equipa croata, construída pacientemente por Zlatko Dalic, um treinador que, como não tem um lote de 60 ou 70 jogadores de ótimo nível, não está nem aí para essa frescura do futebol é momento – vão sempre estes, em forma ou não, e acabou.
Aliás: na última vez que foi campeão do mundo, o Brasil abdicou de uma seleção com o craque Romário, em ótimo momento, em benefício da construção de uma equipa. Mais: em benefício da construção de uma família, a famosa por aqui família Scolari."

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