terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Em Guimarães, um treinador gabou a “mentalidade de campeão” dos seus jogadores. Não foi o do Benfica


"Num jogo debaixo de água, que tinha de ser jogado como era possível jogá-lo, o Vitória e os seus ‘Silvas’, o endiabrado Jota e o avançado André, foi a equipa que melhor se adaptou ao pesado relvado. Durante muito tempo, o Benfica pareceu ignorar a chuva e as condições e só tarde adequou a sua forma de fazer as coisas para resgatar um empate (2-2). No topo do campeonato, foi apanhado por um Sporting com tem um jogo a menos

Quando Anatoly Trubin lançou o seu pesado corpo, todo esticado com os braços além da cabeça, para a direita, a cara do ucraniano já se maquilhava de desânimo e no instante seguinte de molhada resignação por de nada ter valido submeter o equipamento à lama. Ainda a relva fazia o ucraniano deslizar na queda e rugia o D. Afonso Henriques, não o rei morto nem a sua póstuma estátua em Guimarães, mas um ruidoso estádio cheio de gente inamovível perante a forte molha punha o jogo debaixo de água e o guarda-redes do Benfica, em questão de 50 ou 60 segundos, com pingos de lama na cara. Um ápice sem piedade para Trubin.
Cães, gatos e muitos mais animais choviam sem a mínima mostra de cessação no momento que atiçou a cadeia de visitas do ucraniano ao tapete: ao longe, viu a classe de Nuno Santos ousar curvar a bola para sobrevoar o guarda-redes, mas, estirando-se com a mão do lado contrário ao visado pelo médio, desviou-a com estilo para canto; quando foi batido, projetou-se de cara à poça castanha na pequena área para bloquear outra tentativa, a meias com Morato, e ver o ressalto ir à esperteza de Tomás Ribeiro que forçou um penálti. Crendo ser possível alcançar o pontapé limpo de Tiago Silva dos 11 metros, Trubin encharcou-se então mais um pouco, em vão, no 1-0 para o Vitória.
O jogo mal entrara no quarto de hora prévio ao intervalo e, de repente, era sacudido por quem mais se adaptara à intempérie. Presumivelmente sedento, mais ainda, com a hipótese de superar o rival minhoto no 4.º lugar do campeonato, o embalado Vitória, ganhador de nove das últimas 12 partidas, precipitava-se contra o Benfica sem vergonhas. O senhor da boina encharcada bem avisara, cuidado com os ‘Silvas’ e qualquer jogador vimaranense levanta a cabeça à procura de onde andava Jota, lá pela direita, para lhe retribuir a correria com uma bola metida no seu caminho - pelo ar, por vezes de qualquer maneira e até sem antes olharem. Não importava, sinceramente.
Porque senhora mãe natureza assim o exigia e Álvaro Pacheco, durante muito tempo, era o treinador que parecia ter acertado no recado dado à equipa. Com tamanha chuvada, era imperativo vergar as intenções às circunstâncias e não tentar viver acima delas, como o Benfica que Roger Schmidt fez regressar à fórmula Supertaça. Sem um avançado declarado e devolvendo Fredrik Aursnes ao repovoado meio-campo, os encarnados tiveram uma parte a trocar passes curtos, ter a bola com calma e a quererem jogar um futebol de rodriguinhos que seria engolido pela chuva.
Os de Guimarães adaptavam-se à lei dos elementos e tinham chegadas sucessivas à área, sobretudo pela direita, Jota era um diabo aquático e André, o outro dos Silvas, por lá também se desmarcava quando era preciso um chuto mais imediato lá para a frente. O golo vitoriano fez os jogadores do Benfica verem o óbvio, nos minutos seguintes deram menos toques na bola, deram-lhe ações mais diretas, quando Di María a tinha já se via outros a correrem para a frente, havia que tirar proveito do quaterback só de pantufa esquerda. E foi depois de uma bola parada que o argentino, de trivela, rapidamente devolveu a bola à área onde Rafa empatou, mas sem que isso estancasse o caudal do jogo.
O equipamento de Trubin ficou a pingar água lamacenta outra vez, forçado por um cabeceamento do central Tomás Ribeiro, mas optou pela parcimónia de energia quando Nuno Santos, antes de o Vitória regressar a transbordar de genica para a segunda parte, tentou arquear outro remate à distância. Plantado e imóvel, o guarda-redes ucraniano viu o que seria inevitável, pouco depois, pela relva, pintar-lhe o céu da visão devido à incapacidade do Benfica em ceder à inevitabilidade.
Nem com Arthur Cabral entrado de modo à equipa ter um alvo no ataque, ou com as garras de Florentino que substituiu o molde de jogador que é Kökçü, médio carente de um tapete impecável para as suas características se verem, os encarnados se transmutaram numa versão mais adequada ao estado do campo. O pesado terreno continuou escancarado às investidas do Vitória e do seu tubarão de serviço, Jota Silva, que se fartava de dar às barbatanas. Incansável, nem a torrencial molha perturbava o penteado do Grealish à portuguesa que infernizou a vida a Morato, pela direita.
Seria ele, a precisar de recuperar o fôlego assim que a bola entrou, a caçar a bola passada por Bruno Gaspar e a passar rasteira à área onde André Silva, com o exterior do seu pé esquerdo, antecipar-se a Otamendi e tocar a rosca rasteira que deu a volta a Trubin. O segundo golo recompensava a equipa que se adaptava para sobreviver, a evolução das espécies humanizada num hectare de relva perante quem teimava em insistir no mesmo.
Reflexo de um treinador, em tempos recentes, a dar ares de ignorar o que as equipas adversárias têm para oferecer, o Benfica pareceu menosprezar as condições do relvado e rever-se em desvantagem no resultado só tarde, muito tarde lhe arrancou uma reação digna do pantanal onde decorria a partida. Salvos os primeiros minutos do jogo, em que os encarnados tentaram fazer as coisas com alguma rotação, só quase no fim, quando já nem chovia, se renderam a transformar as jogadas numa mesma versão: Florentino e João Neves roubavam bolas, arranjavam forma de libertar Di María, na direita, e o argentino lá se inventava maneira de bater os seus cruzamentos venenosos, imunes à meteorologia.
Assim encontrou a cabeça de Arthur Cabral, entre tantas na área, quando soaram as 90 badaladas. Foi mesmo tarde e os descontos serviram para o Benfica acentuar a estratégia de lançamentos longos para a área perante a falta de plano de jogo jogado que fosse possível de executar, reconheceu-o Roger Schmidt no final, algo estranhamente - porque, durante o tempo quase inteiro, os seus jogadores agarravam-se à bola com temor de a perderem e tentavam combinações de passes curtos a que o pesado relvado chamava um figo.
A cegueira de quem não quer ver foi encravando o Benfica, que nem quis limpar os olhos aos 64’, quando o descuidado Borevkovic, a acudir à bola fugida do seu pé, atirou-se às canelas de Florentino com a sola da chuteira como pára-choques. O cartão vermelho pareceu apenas um aguaceiro, uma pequena gota a juntar aos decilitros que afogavam o relvado. Excetuando a cabeçada de Arthur Cabral, o Benfica manteve-se incauto e disforme, sem se adaptar à miséria verde que tinha sob os pés e até foi Jota Silva, antes de um esgotamento o fazer pedir a substituição, a fugir pelas traseiras dos centrais e ver a perna estendida de Trubin negar-lhe a felicidade. A chuva também alagou a sua apatia - só aos 76' cometeu uma falta na segunda parte.
Empatado onde a época passada perdeu, o trejeito do Benfica em pouco querer saber das circunstâncias que lhe fogem ao controlo salvou um ponto em Guimarães que impediu a ultrapassagem do Sporting, coxo de um jogo. Ainda encharcados, no desfecho-se ouviu-se Jota dizer que o Vitória “perdeu dois pontos” e Álvaro Pacheco louvar a “mentalidade de campeão” dos seus jogadores - não perdem há 10 jogos -, desabafo esperado de uma boca que fala inglês com sotaque alemão. Seria a impor-se neste tipo de intempérie, onde o que resta é fazer o que for preciso, que um candidato ao título mostraria ao que vai."

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