sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

O calcanhar de Cabral descobriu o caminho futebolístico para os quartos de final


"Emocionante jogo de Taça entre Benfica e SC Braga, com os encarnados a seguirem em frente após vitória por 3-2. Arthur Cabral, a crescer, foi decisivo com um golo e uma assistência sublime

Não é necessariamente um contrassenso que um grande jogo de futebol não seja um jogo de futebol muito bem jogado. A Taça de Portugal e todas as suas irmãs por esse mundo futebolístico fora têm esse condão, a guilhotina da possível eliminação faz os corpos lutarem muito e correrem riscos, ainda que nem sempre da forma mais sagaz e lúcida.
O Benfica - SC Braga desta quarta-feira teve um bocadinho dessa bagunça gostosa, aleatória, mas nunca chata ou enfadonha. Houve golos, vários, houve golos contra a corrente, golos que significaram reviravoltas, gente a errar. Houve um jogador que bisou e não ganhou. E um outro que, no meio desta deliciosa confusão, destruiu mais um muro de desconfiança, usando, mais uma vez, uma parte anatómica que tanta beleza traz ao futebol.
Arthur Cabral, ou melhor, o calcanhar de Arthur Cabral, volta a ser responsável por alegrias no coração dos encarnados, depois do golo em Salzburgo que permitiu ao Benfica continuar por andanças europeias. Tinha sido até agora o momento alto de uma relação espinhosa entre o brasileiro e a Luz, as bancadas da Luz e a Luz num sentido mais conceptual, mas a ovação que recebeu à saída do encontro, quando o Benfica já vencia pelos 3-2 com que terminaria o jogo, diz-nos que a relação está em pleno crescimento.
É do antigo jogador da Fiorentina o golo da primeira reviravolta bem em cima do intervalo, após um aplicadíssimo golpe de rins a Serdar e um remate que Hornicek abordou mal, permitindo a ignomínia máxima para um guarda-redes, que é deixar passar uma bola por entre as pernas. E aos 70’, depois do SC Braga empatar o jogo e ameaçar fazer mais que isso, o seu calcanhar, de novo ele, isolou Aursnes pela direita, abrindo uma via rápida para o norueguês marcar como bem lhe apetecesse.
O papel decisivo do brasileiro em unidades estatísticas contáveis foi apenas uma percentagem de uma exibição completa de um jogador cada vez menos perdido nas águas bravas das áreas adversárias. Está mais ousado, mais dentro da manobra atacante dos encarnados. Schmidt bem queria dar minutos a Marcos Leonardo, mas quem sabe se o grande reforço invernal do Benfica não é mesmo Arthur Cabral.
Nesta interessante cacofonia de jogo, o Benfica entrou bem mas o SC Braga já estava em vantagem ainda antes dos 10 minutos, num canto estudado em que a bola foi intencionalmente ter com o pé potente de Zalazar à entrada da área. A bola ainda tocou em João Mário, enganando Trubin. Seguiram-se minutos de atrapalhação encarnada, jogadores engolidos pela linha média do SC Braga. João Neves, num remate à entrada da área, e António Silva, de cabeça, criaram o perigo possível mas foi só com o intervalo à vista que o Benfica marcou, numa transição que começa numa recuperação de João Neves, segue para Kokçu que desmarca Rafa, com o português, rapidíssimo, a marcar pelo terceiro jogo consecutivo.
Mal deu para respirar até ao golo da reviravolta de Arthur Cabral e era assim em vantagem que os encarnados seguiam para o intervalo, depois de uma 1.ª parte em que durante largos minutos não conseguiram ligar o seu jogo.
A 2.ª parte começou praticamente com o golaço de Zalazar, novamente na sequência de um canto, um remate de ressaca já fora da área que foi a rodopiar, rodopiar, um rodopiar que parecia não ter fim, até ir beijar todos recantos interiores da barra e das redes da baliza de Trubin, como se aquela bola quisesse confirmar várias vezes que era golo. De repente, o uruguaio que foi réu e culpado na derrota do SC Braga para o campeonato com o Benfica, redimia-se banhando-se na sempre límpida água dos grandes golos.
Só que este jogo seria de Arthur Cabral, mesmo que após o 2-2 o jogo tenha sido mais do SC Braga do que da equipa de Roger Schmidt. A entrada de Álvaro Djaló veio trazer mais caos do bem e perigo ao jogo dos minhotos, que podiam ter-se colocado na frente aos 60’, novamente por Zalazar, guloso no remate, a não perceber que tinha dois colegas tão mais bem colocados para marcar, e aos 68’, num bom trabalho de Abel Ruiz e Djaló, com Ricardo Horta a não conseguir chegar a tempo do remate travestido de cruzamento do extremo. Dois minutos depois, o calcanhar de Cabral descobria o caminho futebolístico para os quartos de final da Taça, ele que no primeiro golo já se tinha jogado nos braços ternos e misericordiosos dos adeptos que agora o aplaudem.
Foi-se assim o momentum bracarense, levado por aquele pequeno momento feérico do brasileiro. Daí até final, o Benfica soube gerir, quase sempre com bola, quase sempre até dentro do seu meio campo ofensivo, ainda que o jogo tenha tido sempre aquele pequeno descontrolo que é gasolina para os jogos de Taça. O Benfica segue em frente, o SC Braga também podia ter ficado por lá. O jogo foi bom, sem especulações, de uma liberdade refrescante."

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