segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

O Benfica precisava da sua chita, por isso, Rafa correu


"Perante um Arouca que tentou sempre pressionar a saída de bola com um bloco alto, jogando com a linha defensiva muito subida, o Benfica massacrou o espaço que sempre existiu nas costas dos defesas. Nessa missão, o vertiginoso Rafa, com um golo e uma assistência, foi usado e abusado para os encarnados terem a vitória (0-3) que lhes permitiu manter a perseguição ao Sporting e fugir um pouco ao FC Porto

Uma equipa que se defenda com um bloco alto tem logo, à cabeça, vantagens prazerosas, venha o adepto que desgoste de ver o clube pelo qual torce a querer recuperar a bola perto da área contrária e atire a primeira pedra: entusiasma quem vê, denota coragem e intenção. Principalmente, reflete uma ideia do treinador, esse ser a quem gentes da bancada e do sofá lá em casa valiam atestados de incapacidade em avistar o óbvio, o futebol tem a sina de quem não faz vida do futebol achar que pesca mais de futebol do que as pessoas nele trabalham e de todo será o caso de Daniel Sousa.
Para ser anfitrião do Benfica, o esperto técnico do Arouca montou a sua equipa para defender alto e a todo o campo, que não é sinónimo de ser asfixiante a pressionar. Sem as corridas do lesionado Casper Tengstedt, o tecnicamente o mais falível dos avançados que compensa com uma apetência para atacar espaços nas costas dos defesas, Daniel Sousa saiu com a equipa num bloco subido, junto aos centrais do Benfica na saída de bola, deixando a linha defensiva a dois, três metros do equador do meio-campo se os encarnados jogavam na sua metade do campo. A estratégia era clara.
Com João Mário e Di María crónicos pedantes de bola no pé, o mais vagaroso Arthur Cabral na frente e só Rafa com queda para zarpar em sprints para o costado dos defesas, o Arouca conspirava com a orfandade de soluções dos visitantes. Pressionou a todo o campo, quis sempre incomodar as receções de Otamendi e António Silva e do médio que baixasse para lhes pedir bola. Passou a primeira parte com o bloco mais subido, mesmo com o Benfica também a pressionar alto perante a simultânea insistência do Arouca em sair a jogar com passes curtos e os jogadores próximos, atraindo os adversários até conseguir chegar a Mujica, Jason ou Cristo González, a tríplice espanhola que acelerava as jogadas.
O jogo foi um tu cá, tu lá de pressão a todo o campo, mas nunca à maluca. Agradável de ver apesar do relvado esburacado que fazia saltitar a bola, atazanando as receções de bola, isso e o lento ritmo dos passes em ambas as equipas impediu que a partida engordasse em qualidade. Mais pressionado e menos móvel do que o caçula com quem dividia meio-campo, a influência de Kökçü no passe foi parca - e quase castigadora. Aos 41’, rodopiando sobre ele próprio ao receber a bola de Trubin, passou-a sem olhar para António Silva e Mujica, intercetando a tentativa, rematou para o guarda-redes ucraniano salvar o Benfica e a recarga de Cristo sair depois para lá da barra.
Antes, com 22’, os frutos da pressão sem medos logo à saída de bola forçou um Otamendi a tentar um passe longo para fugir ao cerco: o que lhe saiu do pé foi mais um remate ao corpo de Sylla, que deixou a sobra em Mujica, cujo pontapé em arco rasou o poste direito. Criteriosa e valente a construir da própria área, a equipa do Arouca vivia com a calma do capitão David Simão a filtrar os primeiros passes, mas sem, sem a bola, a vida não era descansada.
Mesmo incomodado no primórdio das jogadas, a perder mais vezes a bola do que o costume, os jogadores do Benfica tiveram desde cedo os olhos postos no posicionamento da linha defensiva do Arouca. Sempre tão subidos, tão decididos em ‘encurtar o campo’ jogável para o adversário, os seus centrais condenavam-se a verem explorado o muito espaço que ia deles até à baliza. Avançado para combinar e tocar, Arthur Cabral atacou essa tal profundidade um par de vezes, uma delas servido por João Neves para ir servir um Rafa em fora de jogo; pouco depois, Aursnes isolaria de novo o português para outro golo anulado.
Matreiros, os encarnados foram percebendo que a insistência do Arouca em defender longe da sua área seria melhor aproveitada sem pressa. Mastigando um pouco mais as jogadas, com João Mário em relva mais centro do campo e Aursnes a desmarcar-se também por dentro, para arrastar atenções e deixar vias de passe livre para Di María ter tempo e espaço com bola. Tivesse o argentino ambas e a cabeça erguida para a baliza, Rafa era uma fonte de diagonais apontadas às costas dos defesas. Aos 39’ e à terceira vez, lá foi ele atrás de uma bola picada pelo canhoto fino como esparguete para marcar o primeiro golos.
O castigo não tardou em duplicar, ainda a segunda parte se espreguiçava e a fórmula quase se repetia. De novo o Benfica magicou pela direita para libertar Di María à beira da área, Rafa logo atacar a pradaria por trás dos defesas e servir Kökçü para o segundo golo (49’). Com tanto relvado vago e à mercê, a escolha do jogador a atacar aquele espaço era óbvia.
E sem ser um total marasmo, o jogo atravancou-se um pouco a partir daí. O Benfica abdicou de pressionar tão alto, recuou as linhas e o Arouca alargou o seu tempo com bola ao invés de ter de se preocupar tanto em juntar o bloco para tentar recuperá-la no campo adversário. Mas a linha defensiva muito se continuou a fixar na divisória a meio do campo, sempre subida, sempre corajosa, enquanto a equipa só num remate de Morlaye Sylla (56’), à entrada da área, ameaçaria a baliza de Trubin. Sem capacidade para incomodar a organização sem bola do Benfica, com muito de Cristo e pouca uva extraída das suas ações, os anfitriões nunca deixaram de se colocar a jeito.
Mesmo mais pachorrenta, já sem necessidade de acelerar a sua vida em qualquer ataque, o Benfica ainda avistava a imensidão de relva livre entre De Arruabarrena e os defesas. Só o estado decadente da relva atraiçoou Rafa com um ressalto mesmo antes de rematar (62’) apenas com o guarda-redes à frente e um corte, nas últimas, de Tiago Esgaio desviou o remate de João Mário (69’) no final de uma jogada de pequenos toques de primeira entre João Neves, Rafa e Arthur Cabral. Antes da última machadada, o génio cada vez mais deambulante e parcimónio em corridas de Di María tentou um golo do meio-campo.
O terceiro golo (85’) acabaria a provar como o Benfica, lenta mas, pelos vistos, já seguramente, vai sendo apresentado a alguma frescura que lhe escasseou ao longo da primeira metade da época. Acelerando pela esquerda, Kökçü esperou para o gigante Morato, a habituar-se a ser lateral, aparecer a correr por dentro - o turco pediu uma tabela, foi à linha de fundo cruzar a bola e esforço foi compensado pelo pé que Petar Musa esgueirou na frente do defesa, antecipando-se com o calcanhar.
Sem encantar ou maravilhar, o Benfica primou pela eficácia em explorar uma debilidade auto-provocada pelo Arouca e soltar a chita que tem guardada. Soube esperar pelos momentos certos para soltar Rafa nas costas dos defesas e recolher os frutos de lhe pedir, uma e outra vez, para que corresse. E ele correu, rápido como de costume."

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