"Liga espanhola tem uma das histórias mais bonitas para contar até agora. Girona partilha o topo com o Real Madrid, mas 'sejamos honestos'
Quem viu o documentário de David Beckham na Netflix dificilmente se esquecerá daquela porta entreaberta e da voz do ex-jogador a pedir à mulher, Victoria, que alegava pertencer a uma família de classe média: «Sê honesta». Ficamos a saber depois, através de um suave mas eficaz interrogatório do marido, que a ex-Spice Girl costumava ir para a escola no Rolls-Royce do pai.
Ao olhar para a classificação da La Liga, no início deste novo ano, vemos o Girona, sentado no sofá da liderança, partilhada com o galáctico Real Madrid. E, de imediato, é praticamente inevitável não torcermos pelo underdog, o pequeno clube que ainda há uns anos lutava para não descer à terceira divisão e que agora tem argumentos para, ao fim de 19 jornadas, disputar um título contra Bellinghams, Lewandowskis e Griezmanns.
No futebol como na vida, o fosso entre ricos e pobres continua a ser cavado de forma a que o sucesso dos menos afortunados se transforme numa espécie de conto de fadas, uma história que todos queremos que tenha um final feliz, com uma lição que nos encherá de esperança: afinal, é possível. Ainda é possível.
O sucesso do Girona será a vitória de todas as equipas que ainda acreditam que é possível, de todos os adeptos que ainda compram camisolas do clube local aos filhos antes que estes peçam uma de Mbappé ou Neymar, de todos os crentes que ainda rumam ao estádio ao domingo à tarde sem a dependência do multiecrã. O sucesso do Girona será a vitória do futebol, porque enquanto houver histórias como esta não há Superliga que se imponha.
Pequeno pormenor, no entanto: o Girona está nas mãos do City Football Group. Sim, por trás das listas vermelhas e brancas e dos calções azuis, está Sheikh Mansour e a sua fortuna, influência e sangue real. Ainda que a uma longa distância de poder dar 90 milhões de euros por um defesa, o Girona tem agora uma via aberta para transferências de clubes como o Manchester City, Barcelona ou Bayern Munique. A pérola Echeverri, por exemplo, irá 'rodar' por lá antes de chegar às mãos de Guardiola (ou quem estiver no banco dos citizens nessa altura).
Isto não justificará tudo, e certamente não apagará o excelente trabalho que tem sido feito internamente, com um futebol jogado no relvado que entusiasma, mas é o suficiente para entreabrirmos a porta e, com todo o amor aos contos de fadas, pedirmos com jeitinho: «Sejam honestos». O Girona vai em primeiro na La Liga sem ter o Rolls-Royce do Real Madrid, Barcelona ou Atlético. Mas também não nos queiram convencer que qualquer trabalhador da classe média podia estar ali."
Catarina Pereira, in A Bola
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