"Numa má exibição dos campeões nacionais, os lisboetas perderam (1-0) contra os bascos e, com zero pontos em três jornadas, têm a continuidade na competição seriamente comprometida. Kubo brilhou na Real Sociedad, uma equipa cheia de talento a contrastar com a apatia e desnorte do Benfica
Pior do que perder e precisar de um pequeno milagre para cumprir um dos objetivos da temporada, talvez seja mesmo cair com uma imagem conformada, desligada, com uma sensação de afastamento entre a bancada e o relvado, um problema numa união que há poucos meses parecia férrea. O Benfica perdeu (1-0) contra a Real Sociedad, mas os sinais de preocupação da noite lisboeta irão além da — já altamente preocupante — questão pontual.
Dando continuidade a uma Liga dos Campeões de equívocos e dúvidas, de procura da identidade perdida, a derrota deixa a equipa de Roger Schmidt com zero pontos depois de três jornadas. Com Real Sociedad e Inter com 7 pontos cada, atingir os oitavos-de-final é, agora, tarefa hercúlea.
A geometria da noite foi o Kubismo, o estilo de Take Kubo, o japonês dos dribles intermináveis, um canhoto que mostra a bola ao seu opositor direto para logo a tirar do raio de ação do rival, um aqui-está-ora-já-não-está de ilusionista, um David Copperfield de botas de futebol calçadas. Foi dele o serão na Luz, carregando a Real rumo ao triunfo, saindo a ouvir “Kubooo, Kubooo, Kubooo” ser cantado em uníssono pelos fiéis que vieram do País Basco.
Se de um lado se viam vénias feitas à arte suprema de Kubo, do outro a banda sonora eram assobios e descontentamento, um desconforto quando Jurasek exibia problemas técnicos ou Schmidt hesitava nas substituições. Além da eliminação da Liga dos Campeões que está à porta, há uma demanda por reencontrar o melhor do futebol de Roger Schmidtr que está em curso.
Os magos escondem truques e artimanhas na manga, artifícios e ilusões, mas o japonês do nome geométrico e do futebol artístico quis ser honesto. Nem 20 segundos de jogo tinham decorrido e já Takefusa Kubo tinha feito um túnel sobre Otamendi, sendo sincero desde o começo, mostrando ao que vinha: uma missão para transformar a Luz no seu jardim, o raio de sol depois da chuva impiedosa que assolou Lisboa nas horas anteriores ao encontro.
O canhoto entrou em modo exibição. Demorou menos de três minutos para fazer Jurasek dançar, uma constante em todo o desafio que levaria o lateral do Benfica a ser substituído por Roger Schmidt pouco depois do descanso, e menos de sete minutos para efetuar o primeiro disparo do encontro. O campo era dele.
Perante tamanha arte, o Benfica parece ter entrado adormecido. Só espevitou perto dos 15', quando Rafa foi lançado em profundidade e serviu Musa para o golo, mas o português estava em fora de jogo. No primeiro tempo, as melhores ações dos locais surgiram sempre assim, em esticões, sem grande continuidade ou domínio do cenário. Só aos 68' fizeram as águias o seu primeiro remate enquadrado com a baliza adversária.
Onde o Benfica era inconstância, a Real era modelo, rotina, quotidiano. Os bascos vieram a Lisboa mostrar as virtudes do seu crescimento sustentando, um futebol de circulação fluida, cheio de permutas e dinâmicas. Zubimendi, o médio-centro que Xavi gostaria de ter no Barcelona caso a saúde financeira dos catalães fosse melhor, dominava no miolo, dando espaço para o festival dos canhotos, das ideias de Merino ao veneno de Brais Méndez, das fintas de Kubo à perspicácia de Oyarzabal.
Nos últimos 20' do primeiro tempo, Aihen Muñoz rematou a roçar o poste esquerdo de Trubin, Kubo atirou à malha lateral, Barrenetxea disparou também perto do 1-0. O intervalo chegou com alguns assobios dos adeptos do Benfica e a certeza de que teríamos de ter uns campeões nacionais bem melhores para não fazerem da continuidade na Liga dos Campeões uma miragem.
Procurando corrigir o que se vira na etapa inicial, Schmidt mexeu na estrutura. Para a segunda parte, entraram Kökçü e Arthur Cabral, saindo João Mário e Musa e desenhando-se uma espécie de 4-3-3, com o turco como médio mais recuado, Neves e Aursnes como interiores e Rafa, Neres e Arthur na frente.
As trocas não melhoraram os locais, que continuaram passivos, perseguindo, inevitavelmente, os jogadores dos espanhóis depois de estes já terem executado, o pecado da reação e não da ação. Kubo continuava a brilhar, jogando futebol como se levitasse, controlando o tempo e o espaço, amestrando a bola, parecendo ir-lhe sussurrando segredos enquanto a conduzia, levando-a a desviar-se, uma e outra vez, dos pés dos adversários, que não percebiam os truques do japonês.
Coerentemente com o guião do embate, o 1-0 chegou aos 63'. A Real voltou a fazer a bola ir da direita para o meio com facilidade, conseguindo depois colocá-la na esquerda, onde Barrenetxea desafiou Bah para um duelo direito. O irrequieto extremo, um destro num ataque de canhotos, superou o dinamarquês e ofereceu o golo a Brais Méndez. 1-0 e o Benfica com 30 minutos para dar uma prova de vida na Champions.
A Luz, dos adeptos à equipa, sentiu o toque. Kubo continuava a espalhar classe, superando adversários como se desaparecesse e voltasse a aparecer. Por vezes, dava a sensação de jogar com a bolsa do Doraemon nos calções, sacando de engenhos e truques, uma interminável rede de soluções. Ainda acertaria na barra antes de ser substituído.
No Benfica, Schmid lançaria Tiago Gouveia, jovem que entrou para agitar. Foi dele um dos remates mais perigosos dos locais, cujo esboço de reação foi liderada pelos jovens do Seixal. Também António Silva e João Neves se juntaram à causa, mas já era tarde.
Num dos últimos lances de perigo do jogo, Aursnes — que começou a médio-centro num miolo a dois, passou para interior de 4-3-3 e acabou a lateral — disparou para defesa segura de Remiro. O jogo terminaria com assobios de um lado e alegria do outro, uma exposição do Real Kubismo da Sociedad do bom futebol que floresceu no País Basco. O brilho de Kubo passou pela Luz, que fica à espera de um pequeno milagre para seguir em frente na Liga dos Campeões."