quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

«Foi na Turquia, mas passa-se há muito por cá, porque o futebol não faz a sua parte»


"«Este incidente foi causado pelas decisões erradas do árbitro.»
Estas foram as palavras de um energúmeno chamado Faruk Koka para justificar a bárbara agressão que inflingiu, à falsa fé, a um dos árbitros mais conceituados da atualidade.
As imagens apocalíticas surgiram após o apito final do Ankaragücü-Rizespor (1-1) e já deram várias voltas ao mundo. Percebe-se bem porquê: a violência do soco que o presidente da equipa de Ankara e, sobretudo, aquele pontapé na cabeça dado depois por um dos seus mercenários avençados (já com Umut Meler caído no relvado) só não chocam quem tem deficit cognitivo ou passou por uma infância perturbada.
As reações são, obviamente, de repugnância.
«Como é que é possível isto acontecer num jogo de futebol? Prisão com ele!! Ao que chegámos!!»
Meus amigos, não me levem a mal, mas não contem comigo para aplaudir hipocrisias desse tipo.
A atrocidade que aconteceu no Eryaman Stadyumu já aconteceu aqui, bem ao lado da nossa casa, em muitos jogos de futebol (e não só). Acontece aliás há muitas, muitas épocas, em vários locais, tendo-se agravado após o fim da obrigatoriedade do policiamento nos jogos.
Por cá não faltam vozes pica-miolos, aquelas que denunciam pontapés, bofetadas, empurrões, cuspidelas e coações de todo o tipo que quase semanalmente são exercidas sobre árbitros de futebol. Mas como coração que não vê não sente, decidimos quase sempre ignorar, relativizar ou olhar para as estatísticas, que dizem que o números de agressões é minimo face aos jogos em que tudo corre bem. Que pérola!
É precisamente essa negligência de vómito que um destes dias sujará com sangue as mãos daqueles que, tendo poder e responsabilidade para (tentar) mudar o rumo das coisas, escolhem quase sempre desviar o olhar para o outro lado.
São assuntos aborrecidos e chatos, eu sei.
Nesta matéria, o futebol e os seus principais agentes, continuam a brindar-nos com campanhas fofinhas de prevenção e sensibilização (são importantes, sim senhor), mas raramente propõem alterações regulamentares firmes e inequívocas, daquelas que fazem desaparecer do mapa gente que, em eventos desportivos, se comporta como animais. E é por isso que as bestas que gravitam por aí, a bater uma, duas, três vezes, levam apenas um puxãozito de orelhas e meia dúzia de semanas depois, lá regressam aos palcos desportivos, para fazerem aquilo que fazem melhor: serem vândalos baratos e terroristas de aldeia, sem que muitos se chateiem com isso.
É como é e é assim.
Honra seja feita ao governo português, que recentemente aprovou um pacote de medidas anti-violência muito mais impactante do que qualquer alteração regulamentar desportiva nos últimos anos (e que, em boa hora, criou a APCVD, que tem feito o possível e impossível para manter energúmenos daquele quilate fora da esfera desportiva).
Mas é curto, porque o futebol não faz a sua parte. Nunca fez.
Existem muitos Kocas por cá - uns dentro, outros fora dos clubes - dedicam parte da sua existência patética a usar o desporto como uma oportunidade para exercer o crime.
Eles intimidam, criam conflitos, perseguem, insultam, atiram objetos, fazem esperas, dão socos e pontapés (nas portas de balneários dos árbitros ou nos seus carros), grafitam casas, partem vidros, incendeiam contentores, gritam, ameaçam famílias, fazem bulling, iniciam comportamentos de rebelião e... zero. Zero de punição justa, adequada e séria.
Um jogo ali, quinze dias acolá, uma multazita além e, calma... para decidir daqui a uns meses valentes, lá para o meio da outra época, quando o rapazito se calhar já nem andar por cá. Que delícia.
Vergonha alheia. Já ouviram falar?
Entretanto, eles lá se tentam convencer que são uma espécie de Messias e garantem que já deram passos importantes e fizeram o impossível, mas lá no fundo, no fundinho, devem ter noção que não fizeram rigorosamente nada de diferente.
Sabem quando é que isso vai mudar?
Quando um qualquer Kocas tuga se passar dos carretos e agredir um dos nossos árbitros de elite, num palco bem mediático, tal como o outro doente mental fez ontem a Meler.
Aí é que vai ser giro de ver, o jogo do empurra, a falsa indignação, o condeno veemente, o passar da batata quente para o lado de lá...
Foi na Turquia, mas não se enganem. É por cá há muito, muito tempo. A diferença é que são quase sempre miúdos que ninguém conhece a irem parar ao hospital e a ficarem meses a serem seguidos por psiquiatras.
Aprendam. Acordem. Mudem!"

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