sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Schmidt no deserto vermelho


"Leve é a mão em Portugal que vai ao bolso para tirar o lenço branco e Roger Schmidt conhece agora, um ano e meio depois da chegada a Lisboa, este lado impaciente e malsofrido do adepto nacional, que não é uma exclusividade benfiquista, grassando violentamente por esses estádios fora.
Nesta era digital, é quase nostálgico que se use algo tão analógico como um lenço branco para mostrar insatisfação, numa daquelas comunicações simbólicas que só um estádio de futebol reconhece. É tão mais digno que um esbaforido e colérico comentário numa qualquer rede social e que estas pequenas idiossincrasias do futebol nunca acabem, por favor. Mas há que olhar à semiótica, porque os gestos têm significado. Um lenço branco é coisa de quem desistiu, de quem não acredita em mais nada, rendendo-se na guerra, admitindo a derrota. O que, face à realidade, parece um exagero algo dramático por parte do adepto benfiquista.
Roger Schmidt está a ser vítima do seu próprio sucesso. Os primeiros meses na Luz foram francamente bons, falemos de resultados ou do nível exibicional. Dava gosto ver o Benfica jogar, a intensidade que se juntava à arte plástica. O Benfica tinha então Enzo Fernández, o médio que tudo colava, num onze que raramente mudava, porque a dinâmica estava criada. Sem o argentino, que saiu em janeiro no meio de uma novela que poderia ter sido particularmente nociva para o Benfica, apesar do dinheiro em caixa, os encarnados continuaram a ganhar. Em abril, chegou a renovação de contrato para Schmidt.
Foi pouco depois dessa renovação, que nem o próprio treinador esperava que fosse tão precoce, que veio a primeira crise, com os 10 pontos de vantagem a minguarem, depois de uma derrota frente ao FC Porto na Luz em que mais preocupante nem foi a perda de três pontos, mas a inércia de quem não soube ler o jogo. Jogando melhor ou pior, a sangria foi estancada e o Benfica foi festejar ao Marquês.
A nova temporada trouxe, desde logo, questões de planeamento. A saída de Grimaldo não foi acautelada. A de Gonçalo Ramos sim, mas Arthur Cabral parece ainda um corpo estranho num Benfica algo tresmalhado, sem um onze que dê absolutas garantias e com umas quantas contratações falhadas. O Benfica do último mês é uma equipa amorfa, nervosa, precipitada.
As equipas amorfas, nervosas e precipitadas tendem a tornar os adeptos em gente amorfa, nervosa e precipitada. Veja-se o silêncio que assolou o Estádio da Luz quando o Casa Pia empatou no último sábado. Daí até aos lenços brancos foi um tirinho. Mas também é aqui que é preciso crescer. Ainda há seis meses, sonhava-se com umas meias-finais de Champions para o Benfica, agora há quem peça a demissão do treinador, desacreditando-se completamente numa reviravolta, que isto não é mais que um momento mau. Talvez Roger Schmidt nunca tenha sido o verdadeiro revolucionário, o dono da chave que permitia que o bom futebol e os resultados se entrelaçassem num bonito e forte passou-bem. Mas não será, seguramente, merecedor de lenços brancos ao primeiro baque.
Não será este o primeiro momento da verdade para Rui Costa, que enquanto presidente já despediu Jorge Jesus. Mas o que fará com esta potencial crise não será menos importante: até onde irá a confiança no treinador que escolheu a dedo para o seu novo Benfica? Se aquela renovação for responsável por tornar o nosso futebol mais paciente, já fez o seu propósito. Mas como há deveres para todos, Schmidt também terá de mostrar que é capaz de sair do deserto vermelho."

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