quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Reagir à perda? Certo. E que tal não perder a bola?


"Defendia mal, Grimaldo, diziam tantos. No futebol como na vida há muitos casos assim: só quando deixam de lá estar se percebe verdadeiramente a falta que fazem. Sem Grimaldo, o Benfica ataca pior e também não defende melhor, desde logo porque a melhor forma de defender bem é cuidar da bola, não a perder facilmente.
Fala-se em demasia da reação à perda, porque se fala de menos da própria perda. Talvez valesse a pena pensar ao contrário, de pernas para o ar, que é uma bela maneira de pensar, como dizia o Manuel António Pina. Guardiola pensa sempre ao contrário. Ou à frente. Por isso chegou ao duelo de Manchester com Grealish em vez de Doku e Bernardo Silva numa posição dúplice, que só mesmo os mais inteligentes conseguem desempenhar assim, tão depressa a equilibrar dentro como a desequilibrar por fora.
Com isso criou sempre dúvidas, e desamparo, a Diogo Dalot, e uma série de lances de perigo que só uma exibição magnífica de Onana impediu que se fizesse em goleada.
Carlos Carvalhal disse há dias que divide cada vez mais os jogadores, mesmo os melhores, entre especialistas – os que sabem tudo da posição em que se sentem confortáveis - e universalistas – que encontram conforto em várias posições porque sabem tudo do jogo.
O mundo conheceu especialistas admiráveis, como Robben, Henry, na linha em que hoje vemos em Bukayo Saka, Rafael Leão, naturalmente em Haaland. Bernardo Silva, como Modric ou de Bruyne, é expoente do conhecimento universal, enciclopédia com respostas até para perguntas que estão por fazer. O jogo, o jogo que encanta e apaixona, necessita de ambos os tipos, mas as grandes equipas, os coletivos que existem para ganhar, necessitam cada vez mais destes últimos.
É nessa linha, dos que chamam casa ao relvado inteiro, que se inscreve o impacto avassalador de Jude Bellingham à chegada ao futebol espanhol. Médio e avançado, organizador e rompedor, assistente e goleador, entre a construção e a finalização todo o espaço pode ser dele. Aos 20 anos tem a energia irreverente de um caloiro e o conhecimento habitual num catedrático.
Num clássico onde pareciam faltar os génios de antigamente – Messi e Cristiano, Romário e o Fenómeno, Iniesta e Zidane - saltou ele da lâmpada para resolver. Ancelotti, mais sábio do jogo que mestre da tática, não produz inesquecíveis equipas de autor, mas permite por regra que o talento cresça e se desenvolva.
Diz que não gosta de amarrar os jogadores nos momentos sem bola, para que os talentos verdadeiros avancem confortáveis quando com ela. No fundo é, também aqui, não estar obcecado com a perda de bola, muito menos com o momento ainda anterior à perda. Até porque, valha a verdade, os melhores jogadores, os craques definitivos, também a perdem a bola.
Aliás, em nome do melhor jogo, do que encanta, é indispensável que a possam perder umas quantas vezes. O sossego, para o treinador ou para o adepto, resulta de trazerem de origem a qualidade sublimada de saberem em que momento e em que zona do campo o risco compensa. Que é onde será também mais fácil reagir à perda."

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