sábado, 18 de novembro de 2023

O Porto e o exemplo Barcelona


"Não podemos confundir. Uma coisa é o Hamas, outra coisa são os palestinianos. Tal como uma coisa são os extremistas que integram o núcleo duro da claque dos Super Dragões e outra coisa são os portistas. E é verdade que os portistas do Porto e seus arredores têm uma identidade própria, que se reflete numa personalidade vincada, numa paixão sem brechas pelo seu clube, num raro sentido de comunidade, numa afirmação desse seu clube e da sua cidade contra o centralismo de Lisboa e, como muitas vezes dizia José Maria Pedroto, acima de tudo, contra os provincianos que vão trabalhar e viver para Lisboa e que são bem piores do que aqueles que por lá nasceram.
Porém, o FC Porto vive, desde há muitos anos, numa encruzilhada ainda por resolver. Como ganhar dimensão nacional, uma porta que se abriu de par em par, depois de ter conseguido muitas vitórias e títulos que despertaram atração, sobretudo nas gerações mais novas de todo o país, e, ao mesmo tempo, não perder uma identidade nortenha, uma relação íntima com a sua cidade e a sua região? Julgo que o exemplo mais aplicável, apesar das naturais diferenças sociológicas e políticas, é o Barcelona. Como diz o seu lema, mais do que um clube, porque representa, de facto, as aspirações de glória e de conquista de toda a Catalunha. Por isso, o Espanhol foi, muitos e muitos anos, na era franquista, o clube do regime, e o Barcelona o clube que se afirmou como uma bandeira autonómica em oposição a Madrid e ao poder centralista de Castela.
No entanto, ninguém terá dúvidas de que o Barcelona, apesar de algumas administrações erráticas, se tornou num dos maiores clubes do mundo e tem adeptos, não apenas espalhados por toda a Espanha, mas pelos cinco continentes.
Não seria, sequer, inteligente pensar que na viragem obrigatória da era de Pinto da Costa, o FC Porto tivesse de perder a sua identidade e o essencial da sua personalidade coletiva para dar o salto de um regionalismo que o limita e o oprime para uma versão moderna e internacional. Mas é inevitável que, sem perverter os seus valores e a sua alma, o F C Porto tenha, definitivamente, de se libertar da ideia de que só ganha em estado de guerra e que por isso não pode prescindir de uma guarda pretoriana que vive acima da lei, ameaça, agride e vive nas cavernas."

Vítor Serpa, in A Bola

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