sábado, 4 de novembro de 2023

Jogos Olímpicos: Direito ou privilégio?


"O Presidente Russo, Vladimir Putin, acusou há dias o Comité Olímpico Internacional (COI) de “discriminação étnica” contra os atletas russos e afirmou que os Jogos Olímpicos são utilizados como um “instrumento de pressão política”.
Surge esta posição na sequência da recomendação do COI para que as organizações desportivas internacionais, em particular as federações desportivas internacionais, apenas admitam atletas russos e bielorrussos a participar nas competições a título individual e como neutros, e na condição de não apoiarem a guerra nem integrarem os exércitos nacionais. E sem bandeira e sem hino.
Mais acrescentou Putin que aprendeu com o COI que “um convite para os Jogos não é um direito incondicional dos melhores atletas mas uma espécie de privilégio”, reputando a Carta Olímpica como um instrumento “desatualizado” e “sem caráter universal”.
O COI rejeitou, numa longa, estruturada e fundamentada resposta, os argumentos de Putin. E a dado passo surge a seguinte e marcante afirmação: “A participação nos Jogos Olímpicos não é, de forma alguma, um direito humano e a recente alteração à Carta Olímpica não está relacionada com isso”.
Como interpretar tudo isto?
É verdade que o Quarto Princípio Fundamental da Carta Olímpica prevê que “a prática do desporto é um direito humano”. Mas, a nosso ver, conjugando com outras normas da mesma Carta (até com as revisões cirúrgicas operadas em Outubro), é de concluir que não se está a proclamar um ‘desporto para todos’ mas sim um direito ao desporto competitivo, organizado, federado, formal, “no âmbito do Movimento Olímpico”, logo nos termos por este fixados.
Nesse contexto, não sendo o direito ao desporto consagrado na Carta Olímpica um direito absoluto, quer o COI quer as federações desportivas podem fixar as condições de acesso/de elegibilidade, isto é, podem determinar os critérios - desportivos ou outros - para a participação nos eventos desportivos. De acordo com a Carta Olímpica, há, todavia, uma ressalva fundamental: que essas condições não sejam discriminatórias.
Assim sendo, só poderemos encarar o desporto como um direito humano fora da sua dimensão competitiva, no ‘desporto para todos’, mas já não quando se medem forças, se estabelece quem pode entrar num evento e quem o pode ganhar. Daí a palavra “privilégio” (ou para alguns “oportunidade”), que o COI não usou, mas que Putin foi provavelmente recuperar a um caso judicial suscitado por atletas americanas que, inconformadas com o boicote, reivindicavam o seu direito a aceder aos Jogos Olímpicos de … Moscovo.
Ao Direito competirá intervir, se e quando houver discriminações e outras arbitrariedades, respeitando no mais a autonomia das organizações desportivas e a especificidade do desporto. Uma conclusão simples num quadro muito complexo..."

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