quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Carta a um amigo benfiquista


"Ainda me lembro quando o nosso hino tocava, e os teus olhos se enchiam de lágrimas. Quando a pele se arrepiava de cada vez que subíamos as escadas para o Terceiro Anel. Íamos com todo o tempo do mundo e descarregávamos os nervos numa bifana e numa imperial. Ou duas. Discutíamos o onze inicial, fazíamos as contas aos 3 pontos, à posição na tabela e a como era importante aquela vitória para os nossos objetivos.
Lá dentro, sentados, sem artifícios de luz ou de som, entoávamos cada grito, cada canção acompanhada pelos palmas, pelo bater com os pés no chão. Ali dentro, fosse no antigo ou no atual estádio, o importante era apoiar, puxar pelos nossos, acreditar sempre, não achincalhar quem vestia o manto.
Não sei quando é que isso mudou. Não percebi quando se tornaste politicamente correto, quando deixaste de sentir a mesma paixão pelo Clube, quando passaste a usar argumentos com que os adeptos rivais nos insultam. Até me podes dizer que o futebol é uma indústria podre - concordo! -, controlada por fatores externos, por jogadas de bastidores e por máquinas de comunicação, mas não é o futebol que me move, é o Sport Lisboa e Benfica, seja em que modalidade, escalão, género ou competição for.
Não percebo quando é que te perdi para a 'visão equidistante das coisas'. Na paixão clubística, a equidistância é um contrassenso, faz perder a irracionalidade das horas perdidas por um bilhete, das molhas monumentais na antiga Catedral, das noites mal dormidas depois de desaires históricos. Pouco me importa quem é o treinador, o presidente ou os jogadores, irei apoiá-los sempre, sejam mais ou menos dotados. Só me interessa o Benfica."

Ricardo Santos, in O Benfica

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