domingo, 26 de novembro de 2023

As pistas que o dérbi nos deixou


"Benfica e Sporting já se defrontaram há quase duas semanas, mas a inconveniente pausa FIFA suspendeu o exercício entre clubes, logo após um dos dérbis mais extasiantes de sempre, se dessa apreciação subtrairmos o futebol praticado pelas duas equipas.
Os tépidos clássicos portugueses dos últimos anos levaram à sobrevalorização de um jogo que, mesmo até aos 51’ - altura em que Gonçalo Inácio foi expulso -, andou, durante a maior parte do tempo, longe dos bons lances colectivos. Muitas disputas de bola pelo ar e pelo solo, tímidos rasgos individuais, vários erros técnicos, inúmeras tomadas de decisão erradas e menos de cinco jogadas estruturadas, com princípio, meio e fim.
Ainda que o Sporting tenha completado o período em que se jogou 11x11 com um ligeiro ascendente, fazendo jus ao estatuto de equipa que chegava ao dérbi como a mais estável das ‘três grandes’, não entusiasmou. Esperava-se melhor de uma jornada referente a um campeonato cujos candidatos ao título têm nivelado por baixo em termos exibicionais?
No regresso das provas de clubes, somente quando a bola voltar a rolar é que poderemos tentar escrutinar o impacto emocional causado pelo dérbi. Contudo, olhar para a bola a rolar ao longo do dérbi permite-nos escrutinar pistas do que aí vem no regresso das provas de clubes. E do que Benfica e Sporting foram até à inconveniente pausa FIFA.

A pressão alta do Benfica
O melhor argumento colectivo do Benfica na época passada tem-se mostrado enfraquecido, confirmando os sintomas revelados nos jogos mais exigentes (para ele) de 2022/23 e nos jogos de pré-época deste ano, os quais, face à ausência de nuances trabalhadas por Roger Schmidt, tinham feito tocar os alarmes.
Era um argumento que não só permitia à equipa defender longe da sua baliza, uma vez que a bola era recuperada em zonas adiantadas, como começar a atacar com o adversário aberto/desposicionado, abrindo a hipótese de os jogadores do Benfica perscrutarem os espaços em velocidade - Rafa enquanto maior beneficiário desta intenção.
Apontar a saída de Gonçalo Ramos, a deslocação de Aursnes para a linha-defensiva - por culpa de um lamentável planeamento nas laterais - e a chegada de Di María ajuda a explicar a falência de características individuais que sustentem a eficácia desse argumento colectivo. No entanto, não justifica a apatia de Schmidt em ajustar o seu modelo a novas dinâmicas, no qual, agora, encaixam também jogadores de diferentes perfis.
Desde a temporada transacta que o Benfica é unidimensional na forma como pressiona, o que pressupõe que qualquer oponente capaz de contornar o plano A encarnado passa a deter o código que anula essa pressão. Pode ou não ter os recursos colectivos e individuais necessários para superar os desafios desse plano A - em Portugal, são raríssimos os opositores que se aproximam do Benfica no que à qualidade individual diz respeito -, mas, em 10 partidas contra o Benfica, esse código manter-se-á sempre válido, sendo que, actualmente, é um código com menos força.
No fundo, a pressão alta de Roger Schmidt é a mesma sem os mesmos protagonistas e sem o mesmo efeito surpresa para os treinadores que a analisam.

A construção pelo corredor central do Sporting
Uma das maiores críticas que se pode fazer ao modelo de Rúben Amorim está relacionada com o vício em atacar pelos corredores laterais e, por conseguinte, com a menor utilização do corredor central. Entende-se que o técnico do Sporting tem procurado alterar esse registo. Aliás, basta olhar para o perfil da habitual dupla de médios titulares, composta por Morita e Hjulmand, e compará-la, por exemplo, com a da temporada anterior, composta por Ugarte e Morita. Facilmente se identifica o intuito de juntar, naquela zona, jogadores mais equilibrados no que oferecem com e sem a bola, tal como Amorim vai clarificando em conferências de imprensa. Colocar Morita ou Hjulmand num lugar que foi de João Palhinha é uma variação significativa nos atributos que privilegia. Ainda assim, não chega mudar as características individuais.
Num momento de inspiração individual, claro que Morita ou Hjulmand serão capazes de meter passes verticais que deixem Pedro Gonçalves só com a linha defensiva contrária pela frente, mas é a recorrência com que o Sporting prepara/procura essa vantagem na construção que define se há uma pretensão colectiva de explorá-la - a isto, dá-se o nome de identidade - ou se aquele passe se esvazia num fogacho proveniente da qualidade de Morita ou Hjulmand. Vale a pena dizer que, quanto maior é a qualidade dos jogadores, mais vezes uma equipa pode criar jogadas colectivas espectaculares sem que elas façam parte da identidade colectiva.
No dérbi, exigia-se mais construção pelo corredor central ao Sporting, sobretudo pela facilidade em encontrar espaços dentro do bloco do Benfica.

Os laterais do Benfica
Não há prova maior do lamentável planeamento nas laterais do Benfica do que, à 11.ª jornada, o 11 titular apresentar-se com Aursnes a lateral-direito e Morato a lateral-esquerdo. No banco de suplentes, sentaram-se as alternativas: Jurásek, lateral-esquerdo contratado por 14 milhões de euros, e João Victor, central contratado por 9,50 milhões de euros. Estranho ninguém olhar para Diogo Spencer.
Aursnes deparou-se com um Pedro Gonçalves bem mais preocupado em surgir no corredor central e com um Matheus Reis que continua a castigar/desequilibrar pouco no papel de ala esquerdo (melhor enquanto central pela esquerda), portanto, teve problemas defensivos distintos dos do seu colega, não comprometendo. Projectou-se timidamente no ataque, dependendo das combinações com Di María para marcar diferenças, já que a sua abnegação na função não se transforma em auto-suficiência para desequilibrar à largura.
Do outro lado, Morato esteve praticamente irrepreensível na árdua tarefa de, durante o período em que se jogou 11x11, controlar Marcus Edwards, mas ofensivamente revelou-se naturalmente curto, mesmo depois da expulsão de Gonçalo Inácio. Longos foram os minutos em que, a atacar, o corredor esquerdo andou coxo, indiciando que será uma alternativa insuficiente em encontros em que o Benfica divida menos o protagonismo com bola.

Os laterais do Sporting
Para quem já pôde contar com Nuno Mendes à esquerda e Pedro Porro à direita, torna-se embaraçoso esperar melhor de Matheus Reis à esquerda e Ricardo Esgaio à direita. Rúben Amorim optou por lançar dois alas que, ofensivamente, tendem a desaproveitar e/ou a estragar lances de potencial perigo, preferindo encostar-se àquilo que ambos lhe oferecem em processo defensivo.
Há dias, o treinador do Sporting referiu-se a Esgaio como sendo um “relógio suíço”, adoptando, quem sabe, um novo conceito para a expressão, que, no futebol, é usualmente aplicada para descrever a regularidade positiva de um jogador. No caso de Esgaio, porém, descreve a sua regularidade negativa. Sem querer retirar mérito ao desempenho defensivo do ala direito do Sporting, que ‘secou’ João Mário, o médio atravessa uma fase em que fez Esgaio parecer a versão prime de Kyle Walker, tendo ficado sempre bastante desconfortável. Com bola, exibiu as dificuldades recorrentes.
Matheus Reis foi menos solicitado a atacar e cumpriu defensivamente, também por demérito do Benfica e de Di María.
O próprio perfil de ambos força, inclusive, Amorim a aumentar a variabilidade ofensiva do seu modelo, porque uma coisa era depender do talento de Nuno Mendes e Pedro Porro, outra é esperar que Esgaio ou Matheus Reis resolvam, sozinhos, carências colectivas. Às vezes, não servem, sequer, para dar continuidade ao que está a ser bem feito antes de a bola chegar aos seus pés.

João Neves
Aos 19 anos, João Neves é o maior pronto-socorro do modelo de Roger Schmidt. Essa condição indicia que o modelo de Roger Schmidt beneficia mais de João Neves do que João Neves beneficia do modelo de Roger Schmidt, atestando a ideia de que o médio tem andado a apagar fogos em todas as frentes.
Desde a formação que um dos traços mais vincados do seu perfil é a abnegação sem bola - em momento defensivo e ofensivo -, tendo o dérbi servido, novamente, para demonstrar que João Neves não desiste de nenhum lance, não tem medo de ir ao choque, não se esconde do jogo, não se encolhe em transição defensiva.
A sua energia permiti-lhe chegar a quase todo o lado, mas será que chega a todo o lado com a mesma energia?
João Neves não é um ‘trinco’, tão pouco um jogador cujo perfil não lhe permita ir além do elogio pelo que aporta nas recuperações, nos duelos, na antecipação defensiva. Não fosse o golo - de uma agilidade e execução sublinháveis - e João Neves teria sido, igualmente, o melhor do lado do Benfica, mas muito mais pelo que fez defensivamente do que pelo que a equipa o ajudou a produzir ofensivamente. Aliás, o papel de salvador, que também protagonizou em Chaves, coloca a nu a evidência de que tem carregado a equipa conforme vai conseguindo.
Tanto se cresce na adversidade como bem enquadrado. Na evolução, os estímulos contam na aquisição de virtudes e defeitos.

Viktor Gyökeres
Já mostrou ao que veio. O que pode acrescentar e o que pode melhorar.
O dérbi foi uma amostra fidedigna da auto-suficiência de Viktor Gyökeres. Mesmo abandonado em zonas adiantadas, depois da expulsão de Gonçalo Inácio, deu trabalho ao Benfica. Com a sua contratação, o Sporting ganhou uma ameaça constante no ataque à profundidade, um avançado inteligente a criar vantagens através do contacto físico, super vertical em campo aberto, sagaz na finalização, abrangente pela facilidade nas rupturas de dentro para fora, mas que necessita de evoluir na execução e na decisão quando busca combinações."

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