terça-feira, 24 de outubro de 2023

A fase de adaptação


"Não sei se é de mim ou se é de Roger Schmidt, mas alguma coisa mudou nos últimos meses, e não falo apenas da intermitência exibicional. Como já aqui expliquei um par de vezes nas últimas semanas, algo parece diferente no alemão. Eu gostava de vos dizer que tudo se deve ao contexto ou à falta dele, mas quando um treinador do Benfica responde a uma pergunta sobre um jogo decisivo na Liga dos Campeões e explica que os jogos mais importantes são contra um adversário interno, e acrescenta que o jogo da Champions não é uma decisão final, quando evidentemente pode vir a ser, não vou mentir, esse tipo de resposta tende a irritar-me um pouco.
Não julgo estar sozinho na minha moderada irritação, pela auscultação informal que vou fazendo em conversas com familiares, amigos e demais Benfiquistas. É um facto que tudo no futebol de clubes é visto à luz da qualidade do que se joga, e não há lábia que substitua isso, mas as qualidades comunicacionais podem ser um caminho para continuar a chegar ao coração dos adeptos. Lembram-se quando Roger Schmidt entrava tranquilamente numa sala de imprensa, esboçava sorrisos largos com uma certa timidez de quem acabara de se apaixonar por um clube e dizia tudo aquilo que os adeptos gostavam de ouvir, articulando de forma racional e lógica a paixão, a ambição e a ousadia dos adeptos, que só podia ser a dos jogadores?
Eu lembro-me bem e não foi há tanto tempo assim. Porque será que hoje tudo soa tão diferente em Schmidt? Busco ajuda em Benfiquistas mais otimistas ou menos escaldados. Estou disposto a admitir que é a minha desconfiança ou o stress pós-traumático de outras crises a falar mais alto, mas, quando ouço Schmidt explicar que o jogo de hoje contra a Real Sociedad não é uma decisão final, sinto que a ambição foi substituída parcialmente por uma gestão de expectativas algo deprimente. Aquela euforia do venha-quem-vier foi ocupada por um modesto deixa-lá-ver-se-dá. O que, bem vistas as coisas, me transmite a sensação de que Schmidt é afinal um realista empedernido que só sonhou connosco quando sentiu que tinha condições reais para ambicionar o sonho, fruto de uma conjugação de picos de forma e entendimento das ideias de um treinador muito rara no futebol mundial, e quase inédita no Benfica ao longo de 20 anos. É muito provável que Schmidt, não podendo admitir isso de uma forma cabal, sinta que tem menos condições hoje para retribuir aos Benfiquistas na mesma medida do sonho da época passada — porque a realidade não o permite. Mas é aqui que deve entrar o coração necessário para equilibrar a razão.
Ou talvez o verdadeiro problema seja o país que se apaixonou por Roger Schmidt quando tudo corria bem e o plantel do Benfica nos fazia sonhar a cada jogo que realizava. A verdade é que ventos calmos nunca fizeram bons marinheiros e, ao primeiro embate mais duro, nem o plantel do Benfica pareceu assim tão imbatível nem o seu treinador pareceu tão impenetrável como aparentava ser uns meses antes. Ainda assim, não é como começa mas sim como acaba, e ainda falta tempo suficiente para este texto envelhecer muito mal e eu ser obrigado a revisitar as minhas palavras para confirmar que não tinha razão nenhuma em estar tão preocupado.
Não é como começa, é como acaba. Vou repetir isto que nem um mantra, até começarmos a jogar o futebol que todos desejamos, ou até isto acabar. Até lá, prossigo com algumas preocupações, daquelas que usam o nome nas costas: será Kokçu capaz de fazer esquecer Enzo, mesmo não tendo o talento prodigioso do argentino? Até que ponto estamos a tirar o máximo partido deste jogador que parece não saber por vezes se a tarefa dele é ser um daqueles centrocampistas de equilíbrio ou de ser um visionário capaz de servir os marcadores de golos e jogar mais perto deles? Será Arthur Cabral um problema de adaptação ou um problema de vocação? Irá Tengstedt a tempo de uma carreira de sucesso no Benfica, ou já vimos que chegue? Será que Juan Bernat vai mesmo relançar a sua carreira em Portugal, ou veio apenas para aqui fazer uma espécie de festa sunset da sua carreira? Valerá Jurásek os 14 milhões que pagaram por ele, sabendo que à data de hoje não parece ser solução para grande coisa? Será que Gonçalo Guedes se vai livrar do infortúnio das lesões por tempo suficiente para recuperar a alegria e nos dar mais alegrias? Haverá forma de recuperar fisicamente Ángel Di María, se possível com uns pózinhos milagrosos no limiar da legalidade, para termos direito a uma época completa do argentino ao mais alto nível, como nós merecemos e como ele deseja? Será Trubin tão bom como pareceu nestes últimos jogos? Os dias sucedem-se, as semanas passam, e as dúvidas permanecem, na sua maioria.
Esta época falamos muito da necessidade de adaptação, como se tudo fosse uma questão de tempo e o melhor ainda estivesse para vir. Pois bem, os jogos importantes vão chegar aos magotes na próxima semana e está literalmente na hora de mostrarmos ao que viemos. Receio que a fase de adaptação esteja a chegar ao fim para a maioria dos jogadores. Há quem diga que no Benfica se exige muito e demasiado depressa, como se isso fosse uma coisa má e a exigência do Benfica ou dos Benfiquistas fosse um problema. Defendem que não sei quem há uns anos também demorou a pegar, que os golos não apareceram logo, que as exibições tardaram, como se de um adepto do Benfica fosse requerido um certo entorpecimento ou aceitação da mediania, quiçá da mediocridade, em nome do sucesso inevitável que há-de vir, se todos esperarmos quietinhos. Gostava muito de vos dizer que a vida era assim e que estaremos todos aqui pacientemente à espera que a adaptação suceda, custe o que custar, demore o tempo que demorar. Era bom, se fosse verdade. Veremos se todos estão capazes de se adaptar a esta realidade."

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