quinta-feira, 21 de setembro de 2023

O principio do fim de uma era da Liga dos Campeões


"É simples: 32 equipas divididas em oito grupos de quatro, apurando-se as duas melhores de cada pool para o mata-mata, composto por três eliminatórias em sistema de casa e fora antes da final. Nos últimos 20 anos, foi este o formato da Liga dos Campeões. Houve ajustes — as ligas mais poderosas foram tendo cada vez mais vagas diretas, o pote 1 deixou de ser escolhido por coeficiente e passou a ter os vencedores dos campeonatos mais cotados e o da Liga Europa, as míticas 19h45 deixaram de ser o único horário dos encontros —, mas, no essencial, a Champions está igual desde 2003/04, a época da glória do FC Porto.
Pois bem, quando amanhã o Young Boys - RB Leipzig e o AC Milan - Newcastle começarem, esta Liga dos Campeões terá o começo do seu fim. Assistimos, há semanas, ao último sorteio da fase de grupos da história; agora, até dezembro, veremos a derradeira fase de grupos.
A partir de 2024/25, a competição mudará. O primeiro câmbio será no número de participantes, crescendo de 32 para 36. Duas das quatro vagas adicionais irão para as duas ligas cujas equipas tiverem obtido mais pontos na anterior época europeia. Acrescentar-se-á também o terceiro classificado do quinto melhor campeonato do ranking, que neste momento é a Ligue 1, e mais um conjunto do chamado caminho dos campeões nas pré-eliminatórias, destinado a vencedores de ligas fora da elite continental.
Mas a maior alteração será outra. A fase de grupos será substituída por uma classificação corrida de 36 equipas. Cada uma jogará oito partidas para tentar aceder à fase a eliminar, ao contrário das atuais seis. Os primeiros oito dos 36 irão para os oitavos de final. Os colocados entre a nona e a 24.ª posição irão competir num play-off para apurar os oito restantes integrantes dessa eliminatória.
A grande justificação para estas mexidas? Bem, é simples. Mais jogos significam mais dinheiro. Os atuais 125 encontros darão lugar a 189 e a UEFA estima que a atual receita de €3,6 mil milhões possa crescer cerca de 33%.
A confeção deste modelo surgiu depois de uma das mais importantes guerras já travadas no futebol europeu — e que ainda não terminou. Em 2019, quando a UEFA começou as negociações para o novo modelo da Liga dos Campeões, a Superliga pairava como um perigo não propriamente visível, uma carta na manga dos mais poderosos para que a nova Champions fosse do seu agrado, sempre chantageando com a possibilidade de, caso o desenho renovado do torneio não fosse o desejado, abandonarem o barco e criarem a sua prova.
O figurino inicial da competição pós-2024 pretendia agradar aos chamados super clubes. Havia 10 partidas na primeira fase, e não oito, e, sobretudo, uma particularidade. Eram reservadas vagas para o coeficiente histórico, isto é, os clubes com mais pontos acumulados nos últimos cinco anos de ranking UEFA que não tivessem garantida qualificação tinham, à mesma, bilhete assegurado. Uma forma encapotada de proteger um Real Madrid ou uma Juventus de um mau ano que os colocasse de fora.
Só que, na primavera de 2021, o que era um jogo de póquer, cheio de insinuações e bluffs, tornou-se num conflito aberto. A criação da Superliga ditou que Aleksander Ceferin rompesse com as negociações com os super clubes, cortando relações com o seu outrora grande amigo Andrea Agnelli, pondo fim a uma relação que até levou o presidente da UEFA a ser padrinho de uma das filhas do então presidente da Juventus. Desapareceram as ideias dos coeficientes históricos ou da primeira fase com 10 encontros.
A guerra não terminou, os clubes mais poderosos não desistiram de ter mais boias de salvação que os privem da injustiça suprema que é não terem vagas garantidas para uma competição para a qual não se classificaram, a UEFA continuará a tentar explorar ao máximo o seu produto mais rentável, tentando ganhar força no braço de ferro que, por sua vez, tem com a FIFA.
Uma fonte ligada ao grupo que ainda tenta lutar pela existência da Superliga entrou, na semana passada, em contacto com a Tribuna Expresso. “Veja este artigo jurídico sobre o conflito, é interessante”, dizia, cheio das subtilezas destas guerras palacianas. Nos bastidores do futebol europeu, continua a haver uma luta por poder. E dinheiro.
Em 1955, no Jamor, um Sporting - Partizan inaugurou a Taça dos Clubes Campeões Europeus. Com as suas mexidas e revoluções, foi o primeiro passo para décadas e décadas atrás desta ideia de termos os melhores clubes do continente a discutirem um troféu. Dois anos antes do Tratado de Roma, que criou a Comunidade Económica Europeia, já esta parte do mundo, que há bem pouco tempo vivia o horror da guerra, se tentava unir em redor da bola. Armas trocadas por botas de futebol não é um mau avanço civilizacional.
Em 2023, a Liga dos Campeões é, cada vez mais, uma competição elitista. É difícil sonhar com a glória em Lisboa, em Glasgow ou em Belgrado. Com os mais poderosos cada vez mais poderosos — o último clube fora das big 5 a estar na final foi o FC Porto —, o novo formato dará ainda mais margem aos mais ricos para corrigem percalços e deslizes. E há mais coisas a acontecer para lá do campo. Será o próximo ciclo da Champions o último sem a presença de clubes sauditas, que poderão comprar alguns bilhetes na competição? Veremos uma final four em Riade ou Miami?
Bem-vindo, começo do fim desta Liga dos Campeões. Não deixa de ser simbólico que este fechar de ciclo coincida com a primeira temporada em que nem Cristiano Ronaldo, nem Lionel Messi a disputam desde… 2002/03, antes do arranque destes 20 anos. O argentino e o português venceram oito dos 11 troféus entre 2007/08 e 2017/18, são os dois melhores marcadores da história do grande palco continental, marcos indeléveis de um tempo.
O futuro próximo da competição das estrelas está em 2024. Para lá disso, há um horizonte de dúvidas, de questões, de possibilidades desenhadas pela força de interesses além da bola, de geopolítica e sportswashing. Sabe bem sentar-se no sofá a desfrutar do espetáculo de De Bruyne e Mbappé, de João Félix e Bruno Fernandes, de Di María, Taremi e Bruma. Mas há outras guerras mais ou menos conhecidas a serem travadas no futebol europeu. E, por muito que as ignoremos, o seu desfecho ditará o alcance dos sonhos que se poderão, no futuro, ter em Lisboa, em Glasgow ou em Belgrado."

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