sábado, 19 de agosto de 2023

A evolução da arbitragem no futebol em Portugal nunca fugiu da mesma linha: tem que haver sempre um culpado, um corrupto, um mau da fita


"Quando pensamos seriamente sobre a grandeza que o futebol tem, percebemos logo a capacidade que tem em adulterar o estado de espírito das pessoas. Da explosão de alegria à desilusão extrema, do choro de felicidade aos insultos de raiva, dos festejos exuberantes à tristeza profunda. A viagem é quase sempre a mesma, época sim, época não, ano sim, ano não...
A arbitragem, parte inerente e imprescindível deste jogo mágico, não foge à tendência e percebe-se porquê: nas mãos dos árbitros estão muitas vezes decisões que promovem e despromovem equipas, que ditam qualificações e títulos.
Num universo assim, cada vez menos desportivo e cada vez mais industrializado, este é um sentimento que não se estranha.
Mas a verdade é que as arbitragens são das poucas variáveis que fogem ao controlo efetivo dos clubes, por não estarem no seu domínio, na sua esfera de ação. Não há nada que possam treinar, preparar ou antecipar que afete diretamente a forma como bons árbitros dirigem bons jogos.
Claro que há sempre quem tente a via indireta, a da pressão, da perseguição e do condicionamento, mas os frutos colhidos por aí nunca dão colheitas de jeito. Quanto aos árbitros em si, há uma curiosidade histórica que não pode passar sem comentário. Pensem no seguinte:
- Quando não havia VAR, quando eram eles a decidir in loco, eram todos uma cambada de corruptos, os bois pretos, os maus da fita. Erravam porque queriam, roubavam a torto e a direito, eram maus, desonestos e incompetentes.
Lembram-se? Eu lembro-me. Tenho dezenas de carimbos desses para troca.
Entretanto, com a chegada da vídeo tecnologia, o ónus da malandrice viajou do campo para a sala de imagens. Os árbitros afinal não podiam ver tudo, não podiam acertar sempre nem eram infalíveis, coitados! Já os vídeo árbitros, esses sim, uns terroristas camuflados de honestos, que apenas erravam porque queriam.
Aos olhos dos outros, não há um que se aproveite, não há um que tenha jeito para a função, mesmo que UEFA e FIFA os nomeiem continuamente para jogos relevantes. São todos péssimos profissionais, uns covardes com sede de protagonismo.
Não sei se se recordam, mas em relação às linhas de fora de jogo a história foi mais ou menos a mesma: quando não existiam, os árbitros assistentes eram todos uns vendidos, porque decidiam jogos de forma propositada, assinalando deliberadamente foras de jogo só para beneficiar uns em detrimento de outros. Lembram-se? Eu lembro-me.
E até me lembro de um deles, novo e com qualidade imensa, que deixou de ter carreira devido a um lance controverso num jogo importante em que tomou a única decisão humanamente possível de tomar na circunstância. Outros tempos em que artistas cheios de expedientes tinha poder suficiente para destruir carreiras quando o clube do seu coração perdia. Adiante. Depois os operadores televisivos passaram a usar linhas tecnológicas para avaliar offsides e aí é, meus amigos, aí é que se percebeu a dimensão galática dos roubos, porque os tipos lá na linha afinal decidiam sempre mal, ou porque eram incompetentes ou porque estavam condicionados, afetados, amedrontados ou sabe-se lá mais o quê.
Entretanto, as linhas passaram a ser detidas pela arbitragem, em sala. Agora, com a dupla VAR/AVAR, os árbitros assistentes, coitados, até dão o melhor que podem, seguem as instruções à risca, mas lá dentro é tudo muito rápido. É quase impossível acertarem. Já os outros dois, esses é que manipulam linhas e centímetros e milímetros e mais isto e aquilo… Há na evolução da arbitragem de futebol um denominador muito óbvio:
- Tem que haver sempre um culpado, um corrupto, um mau da fita. Se não for em campo, é em sala.
Se não for a decidir, é a medir linhas ou a ver replays de mão na bola/bola na mão. E quando esses se safam, então a culpa é dos observadores, de quem nomeia, da estrutura ou da APAF. O que nunca pode haver é campeonato com justiça reconhecida por todos, em que o vencedor seja mesmo melhor e mais capaz do que os adversários. Deus nos livre.
Agora que o CA tomou a (excelente) iniciativa de divulgar mensalmente áudios das comunicações "Árbitro/VAR", alguém duvida que a medida será alvo de um rol interminável de críticas, que viajarão da parcialidade das decisões à qualidade gramatical das comunicações? À linguagem usada, às imagens escolhidas? Alguém sensato e racional achará que aquilo que o mundo da bola tanto exigiu - um salto na transparência de processos - irá ficar agradado quando ouvir explicações que colidam com a sua?
Alguém achará mesmo que é ali que terminarão as críticas maliciosas à classe?
Só há aqui uma vantagem evidente: a iniciativa. Foi dado um passo em frente, porque quem não deve, não teme. O resto é apenas o futebol a ser futebol. E o futebol nunca deixará de ser futebol."

1 comentário:

  1. Caro DG,

    e o apito dourado nunca deixará de ser o apito dourado!

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