sábado, 15 de julho de 2023

O elogio a João Mário, Schmidt… e Freitas Lobo


"Fazem falta conversas como as que o Luís Freitas Lobo tem promovido no seu Futebol Arte, que em Portugal fala-se em demasia “do” futebol, mas muito pouco “de” futebol. Na maioria dos casos fala-se pouco porque pouco se entende. E não cada vez mais são alguns (felizmente só alguns) antigos praticantes, que tanto contestam que gente de outras profissões comente o jogo, a aparecer na primeira linha da gritaria inútil, com argumentos tão falaciosos como facciosos.
Sem falácias nem fações, já se pode falar de uma série de conversas sumarentas, com artistas de verdade, como Deco, Tiago Mendes, Gaitán, Fran Navarro ou João Mário. Em cada conversa uma aula, sendo que a de João Mário valeu também notícia, que o internacional português abriu o jogo nas palavras como tantas vezes abre o livro no campo. Destaco duas ideias que concretizam o momento pedagógico: a do entendimento do jogo como algo inteiro e a do conforto tático que é essencial a um futebolista.
Entender o jogo é mais que saber o que fazer com a bola a cada momento, numa série de decisões individuais, melhores ou piores. É perceber-se no contexto de uma equipa e do que se lhe pode acrescentar. Carlos Carvalhal dizia há dias, numa interessante tertúlia em que participei, que os jogadores se dividem cada vez mais em duas categorias: os que são especialistas (porventura fantásticos) de uma função apenas e os que compreendem o jogo como um todo. João Mário é claramente dos segundos. E quando Pepe Guardiola prefere o pensamento ambulante de Bernardo Silva a um genial especialista como Mahrez é mesmo disto que se trata, de optar por um homem que invulgarmente enquadra as suas ações – ofensivas e defensivas – naquilo que a equipa mais precisa.
Os melhores jogadores são que percebem a equipa e se percebem nela, nas suas virtudes e limitações, exponenciando as primeiras e iludindo as últimas. É isso que João Mário concretiza quando explica que, ao contrário da ideia feita de não se daria bem numa equipa a pressionar alto, adivinhava exatamente o oposto. Verdadeiramente, uma equipa que recupera a bola mais acima força menos os seus jogadores a correrias ataque-defesa-ataque, umas após as outras, pelo que protege precisamente os artistas “menos físicos”.
E é particularmente curiosa a revelação da proposta ao treinador Roger Schmidt para, literalmente, trocar as posições e funções do próprio João Mário e de Rafa. O técnico olhava para João Mário – tecnicista, pensador, não propriamente explosivo – como um 10 perfeito. João Mário conseguiu que o treinador entendesse que ele organizaria sempre melhor a partir da ala, onde encontra espaço para pausar e pensar, do que na zona rarefeita do corredor central, onde rapidamente é preciso rodar e seguir. Para isso havia Rafa, que até preferia andar por ali, em linha reta para o golo.
Sempre me questionava o que teria levado Schmidt a ver em Rafa, que não é propriamente um grande definidor, seja de último passe ou finalização, o segundo avançado de que a equipa precisava. A melhor explicação era a profundidade que garantia no corredor central e a capacidade de manter em respeito (leia-se menos subida) a linha defensiva contrária. Pode ser isso também, mas na origem da opção, sabemos agora, esteve uma sugestão dos próprios jogadores. É um penso, logo proponho. O resto foi a humildade do treinador em aceitar pelo menos a experiência da mudança em vez de insistir teimosamente no que lhe parecia óbvio, que era o que tantos fariam. Daí o elogio, tanto ao jogador que pensa, no campo e fora dele, como ao treinador que dialoga. E ao Luís Freitas Lobo, claro, que nos fez perceber isso. E tanto mais, desde há uns 20 anos."

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