"Roger Schmidt começou a construir um Benfica vencedor quando assumiu, logo à partida, um jogar de equipa grande, atrativo, assente numa ideia de iniciativa com bola e pressão sem ela. Claramente valorizou mais o modelo que a estratégia, amarrando os jogadores a uma identidade que hoje é justamente elogiada como coerência. É o tal Benfica que, como bem assinalou Rúben Amorim, joga sempre da mesma maneira. Ou quase sempre. Claro que na fina camada de gelo que é a diferença entre ganhar ou desperdiçar, teimosia seria o adjetivo mais simpático para o alemão se outro tivesse sido o campeão.
O treinador do Benfica tem, como qualquer de nós, os defeitos das suas qualidades, que até uma moeda dividida com cinzel terá sempre duas faces. Schmidt aparenta desprezar a estratégia, o plano específico para cada jogo, e dá até a ideia de que esconde dos jogadores os vídeos que dissecam o rival seguinte. Daí, vai de pressionar nos jogos mais difíceis – ainda recentemente em Alvalade, como perante FC Porto ou Inter - da mesma forma com que aborda jogos com emblemas do meio ou fundo da tabela e nem sempre se dá bem. Mas o que explica a dificuldade em ganhar clássicos – só duas vitórias nos seis jogos com FC Porto, Braga e Sporting – também ajuda a entender porque foi mais dominante perante os demais. A estratégia ganha jogos, mas um bom modelo (com bons jogadores, claro) está mais perto de ganhar campeonatos.
Vale a pena sublinhar que não há aqui dois mundos paralelos, porque não existe boa estratégia sem sólida base tática, nem modelo que vingue se nos jogos mais difíceis nunca for capaz de antecipar fraquezas e forças. No entanto, perante adversários com anos de processo consolidado, ainda por cima liderados por homens de capacidade estratégica forte – e comprovada mesmo perante alguns dos maiores emblemas na Europa – como Sérgio Conceição no FC Porto e Rúben Amorim no Sporting, dificilmente Schmidt teria tido sucesso se não se agarrasse desde cedo a uma ideia e criado compromisso com o grupo em redor dela. No limite, também terá sido que lhe permitiu sobreviver às abordagens estratégicas ineficazes que chegaram a colocar o título em risco.
E depois há os jogadores, que são quem verdadeiramente ganha ou perde, porque a eles compete o mais difícil, decidir o “quando” executar - como há dias bem explicava Guardiola – por muito que os treinadores lhes digam tudo sobre onde e como devem fazê-lo. Nesse plano Schmidt acertou quase sempre: quando quis manter Grimaldo, recuperar Florentino e travar a saída de João Mário; quando lançou António Silva; quando apostou em Gonçalo Ramos e quis Aursnes mais que qualquer outro; quando se agarrou a Chiquinho após a saída traumática de Enzo mas também na decisão fundamental de colocar João Neves como titular no momento em que o barco adornava. Um treinador é muito mais que isso, mas a missão principal nunca deixará de ser a de escolher os melhores jogadores para cada momento. Também isso ajuda muito a caminhar sobre o gelo sem que ele quebre."
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