sábado, 3 de junho de 2023

Efab⚽lação (32) Também tu, José?


"Ontem a internet deu-me um vídeo com Cathy Freeman, Usain Bolt e Michael Phelps como perdedores, nas suas primeiras experiências olímpicas, com a moral de que para aprender a ganhar é preciso viver e entender a derrota: “Quando perdes, a experiência é o prémio”.
Vê-los serem campeões olímpicos em Sydney, em Atenas e em Pequim, respectivamente, são tesouros do meu baú - nem fazia ideia que os três tinham alguma vez sido derrotados, pois só me lembro deles em poses douradas, de deuses do Olimpo.
Porque a última imagem é a que conta.
Ora, eu não gostava de me lembrar de José Mourinho como um perdedor, um mau perdedor, incapaz de assumir um pequeno percalço numa carreira de tantas vitórias, glórias e prebendas. Hoje, por causa de dois minutos daquela “loucura romana” que imortalizou Nero e Caligula, parece que o mundo inteiro se uniu para o censurar e que apagaram do céu a estrela que o guiou durante 20 anos como treinador especial.
“Quo vadis, José?”
Para onde estará Mourinho a encaminhar a energia no dealbar de uma veterania que se lhe nota muito mais no medo cénico das estratégias ultradefensivas, do que nas cãs de charme platinado que cultiva nas conferências de imprensa promocionais.
O que ele fez após a final da Liga Europa nas catacumbas do coliseu húngaro ameaça vinte anos de sucessos, conquistas e imposição do extraordinário registo resultadista sobre o vulgar legado estético do seu futebol, segundo o princípio discutível mas recompensador de que as finais são para ganhar. Custe o que custar. Talvez por influência da tradição conspirativa no Capitólio romano, vejo agora em José Mourinho um César - que também se considerava especial, o “Divino Júlio” - “assassinado” por um Brutus desconhecido que habitava nele, bem mais perigoso do que os demónios patéticos que sobem de vez em quando à cabeça dos treinadores de futebol.
“Também tu, José?”, escreverá o Shakespeare de algibeira que um dia dramatizar, perdoem-me o pleonasmo, a vida deste imperador sem império, medalhado sem medalha, momentaneamente traído pelos deuses expiatórios das derrotas, os árbitros a quem não se importaria de dar um empurrãozinho da Rocha Tarpeia abaixo.
A menos que, mais à grega olímpica do que à romana abrutalhada, também o José Mourinho grisalho ainda vá a tempo de entender o valor da prata de Budapeste."

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