quarta-feira, 31 de maio de 2023

Benfica campeão nacional: cinco notas


"1. Emocionalmente, o Benfica ganhou duas vezes o campeonato - primeiro quando já o parecia ter ganho sem efetivamente o ter conseguido e depois quando evitou perdê-lo sem alguma vez o ter efetivamente perdido -, ao passo que o FC Porto o perdeu duas vezes - primeiro quando já o parecia ter perdido sem efetivamente isso ter acontecido e depois quando parecia que o ia ganhar sem alguma vez o ter efetivamente conseguido. Ou seja, o Benfica foi ‘bicampeão’ na mesma época. Ou, se quisermos, as derrotas com FC Porto e Chaves constituíram uma espécie de VAR, com atribuição do título em reavaliação, mas com a conquista encarnada a ser confirmada. O pior que podia acontecer ao Benfica, além de perder (com FC Porto e Chaves, além da eliminação com o Inter, na Champions), era perder-se, e isso não aconteceu.

2. A forma ‘moderna’ e positiva como Rui Costa, Roger Schmidt e Lourenço Pereira Coelho comandaram o Benfica, cada um na sua função, marcou a diferença para a forma ‘pré-histórica’ e negativa como Pinto da Costa, Sérgio Conceição e Luís Gonçalves continuam a liderar o FC Porto – mais uma vez, cada um na sua função. Um ponto que, naturalmente se estende à comunicação: o Benfica mostrou que não é preciso estar sempre a fazer ruído, que não é preciso ter o diretor de comunicação em campanha semanal como o Sporting (às segundas-feiras, na Sporting TV) e o FC Porto (às terças-feiras, no Porto Canal) e que não adianta ter o presidente a escrever editoriais incendiários uma vez por mês na revista do clube ou o treinador a mandar constantes recados nas conferências de imprensa. Sim, o Benfica queixou-se quando se sentiu prejudicado, mas não com periodicidade definida e com o objetivo claro de, sistematicamente, pressionar e condicionar para daí tentar obter frutos mais tarde ou mais cedo. Prova-se que a comunicação pode realmente ajudar a ganhar campeonatos, mas não necessariamente pela agressividade com que é feita. Terão existido excessos aqui ou ali por parte das águias? Sem dúvida, mas na comparação com o FC Porto, o Benfica além de campeão é candidato ao Prémio Nobel da Paz no futebol português.

3. Apesar do forte investimento do Benfica, houve espaço para a formação – continuação da aposta clara em Gonçalo Ramos, ‘recuperação’ de Florentino e lançamento de António Silva e João Neves. Comprar ‘feito’ e apostar na prata da casa não são mundos que se anulam, não tem de ser uma coisa ou outra. E formação à parte, quanto aos que já estavam no plantel, destaque para o dedo de Roger Schmidt (também) no renascimento de João Mário, na transformação de Rafa em ‘10’ e na sucessão de Enzo por Chiquinho, que deu pelo menos para consumo interno. Sem esquecer que o ‘joker’ Aursnes, que praticamente só não jogou na baliza, foi um pedido mais do que certeiro de Schmidt: jogadores como Neres ganham jogos, jogadores como Aursnes ganham campeonatos.

4. Os reforços nórdicos do Benfica podiam ter custado mais caro, no plano desportivo, do que o preço que efetivamente custaram. Percebe-se que foram contratados sobretudo com vista para o futuro e que é preciso dar (algum) tempo ao tempo, mas a verdade é que o Benfica precisou, em alguns momentos, que fossem soluções imediatas, sobretudo perante os azares de Draxler e Guedes, e não foram, obrigando a espremer ainda mais o plantel. Algo a rever em futuros mercados de inverno.

5. Uma nota ainda para a forma como o treinador alemão soube lidar com temas quentes como os de Enzo, a meio da época, e, mais recentemente, Grimaldo. Para dentro e para fora. E uma última referência para Draxler, cuja permanência no clube e no plantel, depois de lesão grave, foi prova do bom ambiente que seguramente se vivia no balneário encarnado, pois caso contrário o atacante alemão cedido pelo PSG, ainda por cima pouco utilizado até então, teria aproveitado a deixa para ir embora mais cedo. Um grande pormenor, mesmo que não pareça."

Gonçalo Guimarães, in A Bola

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