"Roberto Martínez chamou Cristiano Ronaldo. Escolheu o caminho mais fácil e adiou o problema. No fundo, fez gestão de curto prazo e a verdade é que a reação pública (e publicada) lhe deu razão, por enquanto. Chamou Ronaldo e nenhum clamor se levantou, se não chamasse não haveria outro tema. Acontece que, com esta decisão, mantém no grupo o mais importante jogador da história do futebol português. E isso sê-lo-á sempre, mesmo que não volte a render como antes, e muito dificilmente voltará. Agora, como dizem os adolescentes da geração Z, é lidar. E fácil não vai ser, ninguém se iluda, muito menos para Martínez, que escolheu este caminho sem retorno.
O novo selecionador de Portugal assumiu que Ronaldo ainda tem condições para jogar na Seleção, disse-o em voz alta a todo o país e o grupo ouviu. Eu duvido, mesmo sabendo que com ou sem Ronaldo no onze Portugal ganhará ao Liechtenstein e ao Luxemburgo e que a lenda da camisola 7 até pode juntar mais golos ao seu pecúlio extraordinário. Acontece que o ciclo que se inicia é de dois anos, até ao próximo Europeu, e Ronaldo já não pode ser nuclear num projeto de médio/longo prazo, por cruel que seja para quem tanto conseguiu e garantiu. O envelhecimento pode ser uma injustiça, mas toca a todos. E a primeira desconfiança tem a ver com a forma como Ronaldo vive em aparente negação quanto à perda de faculdades.
Depois há o modo como vão os colegas reagir à (omni)presença, também mediática, de um jogador que já não está no pedestal de duas décadas. No último Mundial, boa parte do grupo reclamava em surdina a titularidade de Gonçalo Ramos, até pelo rendimento que se percebia nos treinos. Como vai ser agora? Ramos, na época de afirmação indiscutível, volta a suplente? Ou Ronaldo encarará com naturalidade, pela primeira vez, o facto de não ser opção inicial? Mais cedo ou mais tarde, se não o fez ainda, Roberto Martínez vai ter de dizer a Ronaldo que ele já não é o jogador que foi e que, por muito que o país lhe deva - e nunca é demais sublinhar que deve, obviamente - a gratidão não se equipa para jogar e muito menos tem titularidade obrigatória.
Olhando globalmente a convocatória e se, como tantos vaticinam, ela aponta para um sistema com três centrais, levanta-se uma questão de fundo: mais um homem atrás significa menos um adiante e Portugal tem – o próprio Martínez o admitiu, justificando a ausência de Pote, por exemplo - um problema de fartura nas zonas criativas do campo. Ao colocar um central extra, mais um defesa, não há como desmentir que haverá menos uma vaga entre a criação e a finalização. Ou seja, com guarda-redes, mais uma linha de 5 (incluo laterais-alas) e 2 médios (independentemente do perfil), sobram 4 lugares (e já não 5) para diante. Pote nem na convocatória entrou, Rafa já não é desta história, homens como Ricardo Horta, Podence, Pedro Neto, Trincão, André Silva, Fábio Silva e tantos outros esperam por novas oportunidades. Mesmo assim e só nesta convocatória, para os ditos 4 lugares há João Mário, Bernardo Silva, Bruno Fernandes, Otávio, João Félix, Rafael Leão, Diogo Jota, Cristiano Ronaldo e Gonçalo Ramos. Não me parece que retirar uma unidade ofensiva para encaixar mais um defesa seja propriamente a melhor originalidade para começar. Mas este é apenas o início de um caminho. A sensatez recomenda que esperemos para ver. E já não falta muito."
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