segunda-feira, 27 de março de 2023

‘Ragazzi’ antes de Ndour


"A ascensão de Chiquinho não foi o único grande resultado da saída de Enzo Fernández do SL Benfica rumo ao futebol inglês.

Atrás do português surgem duas pérolas do Seixal para renovar laços entre plantel e Terceiro Anel: João Neves, com uma esperteza assinalável e a benesse da língua, junta ao desmesurado talento uma boa dose de português directo ao coração dos adeptos, com declarações assertivas a puxar pelo benfiquismo; e Cher Ndour, uma das grandes figuras dos juniores campeões europeus e intercontinentais, que não podendo usar dessa arma tão convenientemente – até porque só chegou a Lisboa em 2020 – tem encetado evidentes esforços em ser um dos melhores da sua geração naquilo que realmente interessa.
Mas talvez não chegue, enquanto se continuarem a colocar dúvidas em relação ao seu futuro contratual e ao seu espírito de compromisso.
Tem mostrado o suficiente para Roger Schmidt o começar a incluir, pouco a pouco, nos trabalhos da primeira equipa. A estreia contra o Vitória foi entendida como prémio pelo bom trabalho do miúdo italiano de 18 anos, já internacional sub-20 pelo seu país.
Cher Ndour tem ainda muito a provar, mas acaba de ganhar espaço privilegiado e tempo para crescer, apoiado por um plantel a fazer época extraordinária. Atrás de si, a meter medo e responsabilidade, tem o historial de compatriotas de águia ao peito: de três, só um gravou a letras de ouro o seu nome no imaginário benfiquista.
Como João Neves, destacava-se na paixão falada, reflectida depois na ardente relação com as bancadas. A inteligência de Ndour permitir-lhe-á perceber a tempo por onde pode evoluir.

Emanuele Pesaresi
A SS Lazio era uma das potências do Calcio, que no virar do milénio era o que é hoje a Premier League – a chegada de Pesaresi à Luz, por empréstimo das águias romanas, foi ingrediente naquela sopa a que chamaram Dream Team que passados nove meses tinha vitórias suficientes para ficar em… 4.º lugar: Pesaresi para a esquerda, do Real Madrid CF vinha Júlio César para o centro da defesa, Zahovic chegava de Valência por troca com Marchena, Drulovic chegava do FC Porto, Simão era a transferência mais cara de sempre (12 milhões)depois de flopar em Barcelona, Mantorras era um prodígio chegado de Alverca.
Emanuele, primeiro nome de Pesaresi, além da escola, impunha respeito pela compleição física (1,80 de altura) e era apontado como titular indiscutível na esquerda – aos 24 anos, tinha perto de 100 jogos em Itália e supunha-se que se destacasse facilmente em Portugal.
Primeiro jogo do campeonato é na Póvoa do Varzim. Já na segunda parte e com 2-0 encarnado no marcador, Pesaresi decide fazer o que se vê a partir dos 4:20 do vídeo que acompanha este texto.
Claro que havia justificação para Toni e Jesualdo Ferreira começarem a preferir alinhar com Caneira ou Cabral, laterais direitos de origem, na sua posição – Pesaresi, relembraria mais tarde a sua experiência na Luz com desportivismo. «Eu era muito jovem e entrei numa grande aventura. Fiz uma excelente pré-época, mas fui expulso logo no primeiro jogo e a minha imagem ficou marcada por isso. Precipitei-me, fiz penálti e perdemos uma vantagem de dois golos» disse ao Maisfutebol em 2017. «Tive o infortúnio do cartão vermelho, depois uma lesão e mais tarde disseram-me que preferiam apostar em jogadores que não fossem emprestados. Se calhar os adeptos não gostaram do que fiz, mas fui sempre honesto.»
A melhor? Faz mais 12 jogos durante a época e finaliza em beleza com nova expulsão – frente ao Boavista FC -, que é naturalmente caso único na história do Benfica.
Ainda melhor? Quem o recomenda a Toni é o amigalhaço… Sven-Goran Eriksson, o responsável pela estreia sénior de um jovem Pesaresi na Sampdória, em 1995-96, e quem o vai buscar em 2000-01 para a sua Lazio campeã italiana – para servir de substituto a Favalli. Surgem os pontos de interrogação que se vão desvanecendo num intenso silêncio…

Fabrizio Miccoli
Ronald Koeman não dormia naquela preparação de 2005-06: para o holandês agora seleccionador, Nuno Gomes e Mantorras não chegavam para as despesas benfiquistas.
Era preciso outro alguém, com mais estaleca de finalizador, para atacar a Champions, que não se jogava na Luz desde 98/99. No derradeiro dia de mercado, a Juventus tão embaçada de opções para a frente (Trezeguet, Del Piero, Ibrahimovic, Mutu e Zalayeta, poucochinho…) abre mão de Fabrizio Miccoli.
Em Lisboa fizeram uma festa, em Portugal já se conhecia o génio do pequenito italiano: um ano antes – Março de 2004, precisamente – estreava-se a Pedreira de Souto Moura em jogos internacionais, num Portugal-Itália que ficou 1-2 por obra magistral de Miccoli, que entrou ao intervalo e a quinze minutos do fim resolveu tudo – mostrando a todos como se bate um canto directo.
Mas sim, 31 de Agosto de 2005. Miccoli chega a Luz como alternativa a Jon Dahl Tomasson, a grande novela desse Verão e que deixou Koeman à beira dum ataque de nervos (o dinamarquês preferiu ir para Estugarda).
Dia 10 de Setembro, era titular em Alvalade; a meio dessa semana, faz o 1-0 frente ao Lille OSC, na primeira jornada europeia. Começava aí a irrepetível paixão entre jogador e plateia da Luz, que festejou como nunca as diabruras futebolísticas do carismático italiano – o golo em Liverpool, o chapéu em Leiria, o nó contra o Beira-Mar SC, o entendimento com Nuno Gomes ou Simão.
A personalidade chamativa denunciava uma vida de conduta desviante fora dos relvados que apaixonava ainda mais o comum adepto, sempre romântico. Foram duas épocas de Benfica que pareceram 10 anos – é ainda hoje lembrado como um daqueles imortais a quem faltam títulos para fazer jus à ligação emocional construída e ao talento disponibilizado ao serviço do clube.

Bryan Cristante
Jorge Jesus tinha e terá sempre, que a longevidade já não deve permitir grandes revoluções na mentalidade, aquele seu meio-campo de eleição, uma parelha que junta o trinco tractor ao ‘8’ intenso, de correrias eternas de baliza a baliza – ora, Bryan Cristante é por hoje um médio completo, figura duma competente Roma de José Mourinho, mas ainda hoje é insensato pedir-lhe que seja uma coisa ou outra.
Em 2014, era loucura, até porque tinha surgido na equipa principal do Milan como um ‘6’ regista à melhor moda de Andrea Pirlo – quando cai nas mãos daquele Jorge Jesus, campeão e finalista das últimas duas Ligas Europa, não havia flexibilidade nem abertura para aceitar outro tipo de perfil.
Cristante teve que ser à força um 6 tractor e lutar com Andreas Samaris por um lugar. Num daqueles episódios habituais do técnico português, Cristante passa da bancada para titular num jogo da Liga dos Campeões – a 2.ª jornada da fase de grupos, jogada em Leverkusen contra o Bayer de… Roger Schmidt.
Obviamente que frente a Çalhanoglu, Bellarabi, Kiessling ou Heung Min Son, o menino Cristante se viu em trabalhos. Foram tantos que é obrigado a sair ao intervalo e a partir daí, já com justificativa suficiente a possíveis burburinhos da massa adepta, Jesus só o faz jogar Taças. 2015-16 já Fejsa recuperou de lesão, Cristante vê-se como terceira alternativa – e começa a ser emprestado para casa, para o USC Palermo primeiro, o Delfino Pescara 1936 depois e finalmente a Atalanta BC – é claro que alguém perspicaz como Gasperini lhe entrega a batuta da intermediária.
Em 2019, dois anos depois, assinava pela AS Roma a troco de 30 milhões de euros."

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