terça-feira, 14 de março de 2023

O futebol pensante de Grimaldo e Aursnes ligou-se com o veneno de Neres e puff!, fez-se nova exibição demolidora do Benfica


"Os líderes da I Liga foram à Madeira vencer o Marítimo por 3-0, conseguindo o oitavo triunfo seguido no campeonato, sempre por mais do que um golo de diferença. David Neres, titular no lugar de Rafa, bisou, João Mário, que falhou um penálti, também marcou, mas o triunfo das águias começou na inteligência do futebol do lateral espanhol e do omnipresente norueguês

Quando Alejandro Grimaldo sobe com a bola controlada pelo lado esquerdo, a precisão dos pés do lateral espanhol parece conectar-se com a clareza das ideias que saem da cabeça do canhoto. Como se esta ligação entre a ponta dos pés e o cérebro se contagiasse ou reproduzisse, o mesmo sucede com Fredrik Aursnes, no milagre da multiplicação do pensamento vestido de futebolista no Benfica.
O pé esquerdo de Grimaldo tricota e coze as jogadas, procurando espaços e tabelas, progressão em apoio e perigo, enquanto à sua frente há um norueguês que parece omnipresente. Aursnes parte da esquerda para terminar na direita, procura bolas no pé e no espaço, dando a ideia de ter feito uma aposta consigo próprio para nunca falhar um passe ou protagonizar uma decisão incorreta.
Ambos combinaram no lance do 3-0, em que Grimaldo assistiu David Neres para um golo que espelha bem o nível atual do Benfica: fluido e dinâmico, ágil e agressivo, insaciável. Aquela jogada deixou a visita ao Funchal sentenciada, com um bis do atacante brasileiro, expressando as muitas virtudes que fazem com que a equipa de Roger Schmidt vá acumulando exibições convincentes.
São já oito vitórias seguidas na I Liga, sempre por uma diferença maior que um golo. O FC Porto continua a oito pontos de distância, o SC Braga a 10 pontos dos líderes que em 24 jornadas têm 21 vitórias, dois empates e uma derrota.
O duelo no Funchal era um choque de contrastes. O Benfica, melhor ataque e melhor defesa da I Liga, contra o Marítimo, pior defesa e pior ataque (a par do Paços de Ferreira). Os lisboetas, com nove triunfos nos últimos 10 jogos, e os madeirenses, com seis derrotas nos derradeiros cinco duelos. Durante boa parte do primeiro tempo, essas diferenças de dinâmica notaram-se.
O Benfica demorou seis minutos a criar uma grande oportunidade de golo. Após um lançamento de linha lateral da direita, Mosquera deixou a bola passar, Aursnes aproveitou e serviu João Mário, que rematou por cima.
O lance resumiu muito do que foi a primeira parte: a apatia e passividade defensiva dos locais, muito pouco contundentes nas ações defensivas; a inteligência e omnipresença de Aursnes, o norueguês que pensa tão alto enquanto joga que quase se consegue ouvir; o desperdício na finalização de João Mário, o outrora médio sem golo que se tem fartado de festejar esta época mas que foi perdulário nos Barreiros.
Aos 17’, após cruzamento da direita, João Mário voltou a falhar no remate quando estava perto da baliza de Marcelo Carné. Aos 30’, explorando o adiantamento da defesa do Benfica, Gonçalo Ramos deu para Aursnes, o omnipresente, rematar para defesa do guarda-redes dos locais. Renê Santos evitou a recarga em falta e fez penálti, mas voltou a haver um pouco eficaz João Mário, que, na transformação do castigo máximo, colocou a bola na bancada.
O Marítimo não fez qualquer remate à baliza de Vlachodimos no primeiro tempo, uma equipa com algumas boas intenções na pressão ou circulação mas sem último terço. Do lado dos visitantes, a dinâmica ofensiva passava pelas conduções de Grimaldo, o flutar entre-linhas de David Neres, vestido de Rafa, e a inteligência e futebol pensante de Aursnes. Aos 34’, os três combinaram, mas o brasileiro viu Marcelo Carné fazer uma grande defesa.
O 1-0, em cima do intervalo, voltaria a deixar evidente a falta de contundência na defesa do Marítimo. João Mário, novamente atacando o espaço nas costas da defesa dos insulares, ficou em boa posição para rematar, mas, talvez influenciado pela falta de acerto na finalização que vinha revelando, hesitou. Perdeu momentaneamente a bola, mas a passividade dos locais voltou a ser gritante. João Mário recuperou e serviu David Neres para o golo. Ainda antes do descanso, nova combinação entre os cérebros pensantes e as pernas precisas de Grimaldo e Aursnes quase deu no 2-0.
O arranque da segunda parte trouxe o acerto na cara do golo que estava a faltar ao Benfica. Aos 50', Grimaldo cruzou da esquerda e Mosquera e Marcelo Carné quiseram mostrar algumas das razões para que o Marítimo seja a pior defesa do campeonato, descoordenados e pouco decididos, distribuidores de ofertas. Agradeceu João Mário, que com a baliza aberta não falhou. São já 21 golos na época para o médio outrora sem baliza.
Sete minutos depois, chegou o 3-0, talvez no melhor lance do duelo, uma demonstração da qualidade na execução e decisão de Aurnses e Grimaldo, um guia prático de como finalizar uma transição. O espanhol chegou às 12 assistências em 2022/23, servindo David Neres, que aproveitou a ausência de Rafa da melhor forma.
Os últimos 30 minutos do desafio foram quase uma mera burocracia, um passar do tempo sem muita história. Vlachodimos manteve a boa série, só tendo sido batido uma vez nas últimas oito jornadas.
Aos 82', Aursnes ainda voltou a deixar mais uma lição de como temporizar à espera do melhor momento para passar, mas João Neves, o adolescente da camisola para dentro dos calções, não conseguiu marcar. O pior que o jogo deixou para o Benfica foi o amarelo visto por Aursnes, que o afasta da próxima partida, contra o Vitória SC.
Já em período de descontos, Schjelderup e Tengstedt, os nórdicos contratados no mercado de inverno, estrearam-se. Baseando-se nas mentes de Grimaldo e Aursnes e no veneno de David Neres, já com 12 golos na época, o Benfica fez da Madeira novo palco de demonstração do momento exuberante do coletivo."

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