domingo, 8 de janeiro de 2023

Um vislumbre à vida do Benfica sem Enzo, ou quem sabe, depois de Enzo


"O Benfica ganhou sem ardores, por 1-0, ao Portimonense, mesmo que o resultado não sugira o desnível visto em campo e nos 22 remates contra apenas um. Ao primeiro jogo em 2023, querendo não o ter para o castigar ou antecipando que o vai perder em breve, treinador Roger Schmidt abdicou de Enzo Fernández. Portanto, o encontro foi uma amostra da equipa que se poderá esperar sem o argentino (e sem Rafa, já agora)

Sabedor das costeletas com que se compõe o Benfica, equipa de afiados dentes e sem receios em querer recuperar à frente qualquer bola fugidia à sua posse, o Portimonense, igualitário em sapiência e ousadia, deu um pequeno e curto primeiro passe para o lado, na própria área, num dos primeiros pontapés de baliza da partida. Intuiu-se que a intenção era seduzir a pressão alheia, cientes de como os jogadores adversários já rondavam o isco bem te perto, para os chamar a tentarem ser ladrões logo ali: comprometidos esses alvos, bateram então a bola longa e pelo ar.
Desfazerem-se rápido e ao segundo passe do que há um só exemplar em campo custou-lhes bastante. Saltando à bola de frente, António Silva reclamou-a ao adversário e, desorganizada para sair a jogar e não montada para se proteger, o bem precioso foi para a cratera espacial diante da área para ser colhida por Gonçalo Ramos, que fintou o guarda-redes Nakamura com a sua ratice. Era a vez de João Mário ter o seu oitavo penálti da época, portanto um tipo experimentado a parar uns 11 metros da baliza, batendo-o para a direita do enluvado japonês, que adivinhou o lado, mas a bola escapou-lhe, escorregadiça.
Meros oito minutos, já o Benfica ganhava. Outros dez deram à costa na mesma maré de pressão alta, da equipa caseira bem subida no campo, de toda a bola roubada ser reciclada logo rápido para a frente e os visitantes coloquialmente à rasca, com os jogadores ensanduichados na própria área e, por vezes, só a quererem despachar a pelota para longe. Como Gustavo Klismahn, o lateral brasileiro com apelido evocador de goleador germânico. Na área, fixou o olhar na bola que lhe sobrou de um cruzamento, adotou a postura de quem a ia chutar para o além e deu tempo à pressa de Alexander Bah a tocar no instante antes de o pontapé sair.
Essa demora a entroncar na rapidez deu outro penálti ao Benfica e o batedor se alternar, aí foi Fredrik Aursnes o benfeitor da honra para depois virar o malfeitor da desfeita: o norueguês rematou para o mesmo lado de João Mário, mas a leitura de Nakamura tombou certeiramente. A conta de um-a-zero permaneceu inamovível, chegar-se-ia assim ao intervalo e até um terceiro penálti do Portimonense se cogitou, não fosse o VAR mostrar um peito e não um braço na bola, tivesse ele sido em vez de só parecido e o surpreendente deste jogo continuaria a morar noutro lado. Ou melhor, numa ausência.
Em nenhures na Luz se avistou um dos faroleiros da meia temporada goleadora, sem derrotas e avassaladora do Benfica à moda de Roger Schmidt, de amarelo no relvado só o integral do equipamento à Portimonense, não havia a pintura amarelada que Enzo Fernández achou por bem dar ao seu cabelo quando regressou do Catar como campeão mundial, usufrutuário do mundo de oportunidades por diante que sejam como forem desenhadas as linhas, se escreve factualmente a direito: falhou dois treinos do Benfica depois de ir dobrar o ano à Argentina, para onde viajou sem autorização.
O ‘como’ e o ‘porquê’ entra na suposição, se nos ficarmos pela suspeição, tudo terá a ver com o interesse do Chelsea em comprá-lo e as negociações dos ricalhaços ingleses com o Benfica que mesmo sem lhe importunar as feições, ele igual à sua versão calma, monocórdica, quase inexpressiva, provocaram no Roger Schmidt uma admissão de Enzo ter tido um comportamento “inaceitável”. Via-se a face castigadora do treinador de árdua leitura, porque difícil é radiografar quem se reconhece pela postura una e imutável, para o bem e para o mal.
Tirar Enzo do onze e do banco frente ao Portimonense não impediu os encarnados de atacarem, atacarem e atacarem, uma equipa nunca será um indivíduo e pré-intervalo ainda houve uma cabeçada de António Silva à barra, dois remates perigosos de Florentino de entre os três que fez e uma bonita jogada a primeiro toque entre Aursnes, Gonçalo Ramos e João Mário para Nakamura defender o pontapé do último. Nunca um jogador seria responsável por alterar dinâmicas em apenas uma semana e em janeiro.
Do Benfica se viu a apetência por jogadas que arregalam olhos presentes por fora, é apetecível detetar como o futebolista com o privilégio de mais uns segundos com a bola tem sempre alguém a aproximar e outrem a correr para o espaço, duas opções distintas de passe e às vezes três para a equipa tentar ligar jogadas com poucos toques, muitas tabelas e a furarem pelo meio do adversário. Houve-as não com fartura apesar dos muitos remates - pela hora de jogo, já eram quase 20 os tentados pelo Benfica -, mas ainda as houve e isso é prova de sustentabilidade de uma ideia.
Mas, querendo não ter Enzo para lhe provar um ponto ou condenado a não o ter por estar para breve vê-lo longe, lá estamos nós a supor, o treinador quis antes ter Aursnes, o expectável substituto do argentino, onde deveria estar outra ausência - com Rafa suspenso, foi o norueguês a deambular atrás de Gonçalo Ramos e a emprestar a simplicidade dos seus toques para ser o prestador de últimos passes, ou pré-assistências, que desengatilharam várias jogadas. O fiável faz-tudo fazia agora passes que criaram vários perigos e chegou até a rematar ao poste, quando picou a bola suavemente por cima do guarda-redes.
Sem ele mais atrás no campo, houve Chiquinho a ladear Florentino e a ser ele a pegar nos primeiros passes, a dar-se aos centrais para iniciar jogadas e deixar os tentáculos do médio recuperador de bolas uns metros adiante, onde é necessário para ser ladrão assim que algo se perca para logo se tentar roubar. Chiquinho é mais um carregador do piano por comparação ao pianista com pele tatuada de rockeiro que é Enzo Fernández, o português não tem os artifícios técnicos do argentino, porém deu andadura aos passes, falhou pouco e jogou mais do que o suficiente para o Benfica ir jogando mais do que o resultado indicou. E também ele remataria, frouxo e sem mira, à entrada da área.
Enquanto o Portimonense jamais logrou algo para lá de procurar as receções do corpulento Yago, avançado solitário a tentar agarrar bolas de costas para Otamendi ou António Silva, os líderes do campeonato também tiveram um cabeceamento e um desvio na ponta do pé de Gonçalo Ramos. Ambos os remates foram servidos por cruzamentos de João Mário, essa inamovível presença à direita do ataque quando as jogadas ainda se espreguiçam calmamente para, ao ligeiro desequilíbrio ou mudança de ritmo, surgir mais ao centro e em pézinhos de lã remexer nas ligações do circuito.
O Benfica ganhou sem ardores. Vinte e dois remates contra um ilustram-no e poderiam sempre enganar, o futebol prega partidas e qualquer um-a-zero fica à mercê de um canto, de um livre, da casualidade da bola, mas este engana. Não foi um resultado causal perante o que se viu em campo, embora cheio de causa se mostrou a equipa que o venceu: o Benfica de Roger Schmidt será, necessariamente, uma pior versão na eventualidade de perder as qualidades de Enzo Fernandéz que ajudaram a cimentar uma equipa que esteve 23 encontros sem perder. Na coincidência numérica, o primeiro jogo de 2023 mostrou o que se poderá esperar caso uma vivência sem o argentino tenha de ser já feita no que resta desta temporada."

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