quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Enzo está aqui


"O argentino parece querer iniciar o processo de penitência e perdão e além de ter marcado um dos golos da vitória por 2-0 frente ao Varzim ainda ensaiou uma coreografia de amor ao Benfica, com direito a punho a bater no símbolo das águias e tudo. A equipa de Roger Schmidt não brilhou, mas está nos quartos de final da Taça de Portugal. E Fernández, para já, está por cá

Bruno Vieira Amaral escreveu aqui ainda há dias: no futebol, a memória dura uma semana. Como se as sinapses da bola se renovassem de sete em sete dias, quais peixinhos dourados à volta do aquário que são as emoções que o futebol parece fazer explodir mais ou menos em esteróides a cada enter no calendário.
Há uma semana, Enzo era o vilão, inebriado pelos pounds, ensandecido pela perspetiva de beijar os relvados de verde-histérico da Premier League, ao ponto de falhar compromissos, provocando ataques de fúria de adeptos para quem, de repente, deixou de haver heróis, como se Portugal algum dia tivesse sido sítio de chegada e não de passagem para talentos deste calibre.
Dizia então que há uma semana Enzo já era para lá pária, com a cabeça já longe, fora da Luz, que é maior que qualquer miúdo ambicioso, convenciam-se os adeptos. Frente ao Portimonense, nem o banco aqueceu e, seja pela indisciplina da chegada atrasada a Portugal ou por proteção, não jogar é sempre um castigo para qualquer jogador, chamem-lhe o que quiserem. Mas depois do castigo, com a hipótese Chelsea aparentemente já ténue, porque isto é ponto de passagem mas não um bazar de quinquilharia barata, Enzo voltou, tão naturalmente quanto havia estado quase fora.
Não se pode esperar que um jogo de Taça frente ao Varzim seja suficiente para a total penitência, para o recuperar total dos laços, mas o argentino, talvez já de coração menos ansioso, fez por isso. Talvez mais simbolicamente do que outra coisa qualquer mas, hey, tudo conta.
Os pés do campeão mundial, diga-se, ainda não parecem finos como no pré-Mundial (e no durante o Mundial). Talvez ainda lhe passe pelas veias a adrenalina da maior vitória e a confusão de sonho adiado dos gigantes europeus. Sem Florentino ao seu lado frente ao Varzim, Enzo teve de ser um bocadinho dos dois. Saíram-lhe passes extraordinários, dois ou três pormenores de jogador superior. Mas também um par de borradas inconsequentes, nada de muito grave mas que não lhe estamos habituados a ver, remates frouxos, bolas passadas para o espaço de ninguém. O Benfica, então, já vencia por 1-0, golo de livre-filigrana de Grimaldo logo aos 4’, pelo que o mais difícil estava feito.
Controlar o jogo, porém, não aconteceria até Enzo deixar para lá o jogo assim-assim e fazer-se figura e filho pródigo, numa segunda parte em que o Varzim, que até eliminou o Sporting da Taça, tentava fazer um ups, eu fi-lo de novo, ainda com a memória daquela equipa de 2006/07 que atirou o Benfica para fora da Taça - e desde aí que os encarnados não são eliminados por uma equipa de escalão inferior na competição.
Permanecia então o 1-0 quando o argentino, logo após falhar uma oportunidade daquelas gordas, estava no sítio certo para receber um passe de Chiquinho, num lance de insistência e confusão na área do Varzim. Um toquezinho com a ponta da bola colocou a bola na baliza, o 2-0 estava feito. E Enzo iniciava assim, com ação e também gestos, um bonito processo de absolvição: logo após festejar com os colegas, aparentemente pouco ou nada danados com o médio, aproximou-se dos adeptos, bateu com o punho no símbolo das águias e para terminar a coreografia ainda apontou o indicador para baixo, que nem Telma Monteiro nos Jogos Olímpicos do Rio a ganhar o bronze e a dizer “eu vim para ficar” ou Cristiano Ronaldo em Solna, o melhor Cristiano Ronaldo, a gritar “eu estou aqui”.
Enzo, aparentemente, também está aqui. Resta saber se durante dias, semanas, talvez meses, dificilmente anos, porque a sua qualidade está aqui mas rapidamente estará em outros palcos mais luxuriantes. Mas, para já, parece perdoado, ou pelo menos está a fazer por isso. No final, ainda levou um abraço forte de Roger Schmidt, com as mãos do treinador alemão a segurar-lhe a cara, como um pai orgulhoso a sentir a face do filho.
Ah, não menos relevante nesta noite de alta humidade relativa, o Benfica está nos quartos de final da Taça de Portugal."

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