quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Efabulação (2)


"As 1001 noites do Sultão Al-Ronaldo

Vivemos ontem, com a distância e o desconto que nos habituámos a dar à excentricidade e fantasia das histórias arabescas, a primeira das 1001 aventuras de Al-Ronaldo ibn Bortuqal, o Sultão do país das laranjas, no grande califado Al-Saud. Tomemos a televisão e a internet como a Sheherazade da Arábia de hoje, onde as mulheres não são tão bem vistas como era a filha do vizir, para se encarregarem da difícil tarefa de manter viva a lenda do antigo grande jogador durante os próximos três anos. Uma história por noite era o que Sheherazade contava ao seu sultão para evitar que ele a matasse e substituísse por uma virgem.
Uma história por dia para adiar o esquecimento é o que os Instagrames vão ter de inventar para o mundo saber que o grande jogador de futebol continua activo e feliz, como Sinbad o marinheiro, Ali-baba o príncipe dos ladrões ou Mahmud o sultão das duas vidas.
Mas não vai ser fácil emocionarmo-nos com o seu “estou aqui” quando marcar golos frente aos Al-Fateh e aos Al-Shabab do deserto saudita.
A velocidade da erosão da carreira do nababo futebolista lembra as tempestades de areia que mudam a paisagem das dunas de um dia para o outro. Os oásis da bola que sempre estavam por perto, para um refresco da imagem e do prestígio, são agora miragens longínquas e intangíveis.
O oásis Jorge Mendes já se diluiu num imaginário de desavença e traição entre sheiks. O nosso herói ficou só e mal aconselhado.
O oued Seleção Nacional está seco e apenas oferece um caminho para lado nenhum, que a sabedoria aconselha a evitar. O sucessor da FEMACOSA estará agora de mãos livres para deixar de convocar um jogador exilado na terceira divisão do futebol mundial.
O palmeiral da Champions deixou de dar sombra e prazer aos ávidos de golos e troféus. Acabou a saga do melhor de sempre na mais difícil competição. A caravana de Messi está cada vez mais distante na travessia do deserto dos maiores de sempre. Vai ser penoso comparar as pilecas do circo saudita aos corcéis dos circuitos europeus.
Resta apenas a lengalenga de contar, recontar, conferir e reconferir, os milhões e bilhões na grande lavandaria de “sportswash”, o que deve tornar-se fastidioso e cada vez menos interessante à medida que as noites passarem. Ou ir acompanhando a vidinha da favorita Georgina na terra dos haréns, qual princesa Zuleica dos tempos modernos."

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