quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Três desejos para a Seleção Nacional


"O gene competitivo é uma criatura do Mal. Adula monstros, desperta fantasmas, não admite personagens impolutas. Ganhar, no maior dos palcos, implica um pacto com demónios e uma área aberta ao conflito. Chamemos-lhe purgatório das almas.
Deixei de acreditar há muito no triunfo dos bons rapazes. A vida já me deu provas mais do que suficientes para encerrar esse capítulo dos contos de fadas. Inofensivos, utópicos, condenados à derrota.
Penso na Argentina, nos mauzões da Argentina. Dez capangas rodeiam o Senhor Messi, protegem-no, carregam-no no andor dos intocáveis. Se o sagrado esquerdino for capaz de ser Messi em três ou quatro momentos por jogo, o troféu mundial voltará ao país de Maradona.
O Mundial é um campo de concentração para a tensão. Prende-a, asfixia-a, torna os jogos impossíveis de suportar a um coração apático. É essa atração pelo perigo que suporta as equipas mais atrevidas, mais duronas, que não temem o erro.
A adrenalina em doses excessivas, os olhos raiados de sangue. Dir-me-ão que o excesso de velocidade provoca acidentes e eu só posso acenar em concordância. Por isso vemos, de quando em vez, a careca de Zidane a bater no peito de Materazzi ou o cotovelo de Tassotti a ensanguentar o nariz de Luis Enrique. É o risco de braço dado com o descontrolo.
E Portugal? Falta isto à Seleção Nacional. Esse ADN que a coloca a salivar por sangue, que a obriga a perseguir o adversário pelas estepes do futebol mundial. Percebeu-se isso frente a Marrocos, a incapacidade de ferir no sítio certo.
Cristiano Ronaldo foi a besta maquinal capaz de esconder essa limitação da equipa durante mais de uma década. Mas essa besta humanizou-se e pena ao lado dos outros. Um dado mais para assinalar a preparação do novo capítulo da Seleção.
Se Fernando Santos fechar este ciclo, coloco três desejos em cima da mesa. Não falo ainda em nomes, mas em formas de olhar o jogo e a representação nacional.
IDEIAS: o selecionador aproximou-se da vox populi e deu às nossas gentes um estilo mais atraente, com mais posse de bola, mas esqueceu-se que essa foi imagem raras vezes vista nos últimos oito anos. Consequência: no contexto de maior pressão, Portugal não soube por onde entrar, por onde cruzar, que caminhos escolher. A seleção tem de ser um espaço ortodoxo, de ideias fixas, seja quem for o próximo selecionador. Andar ao sabor dos apetites populares é que não.
CRISTIANO: não sei se a queda abrupta de rendimento se deve somente à pré-época inexistente, aos problemas pessoais e ao ciclo da vida. São três hipóteses que ajudam a explicar o CR -7 que Portugal teve no Catar. Fim de vida na seleção? Não necessariamente. Se Cristiano fizer um esforço para perceber que os dias de super-herói fazem parte do passado, talvez possa ser útil e ajudar quem aí vem. Não é absurdo pensar nele no Euro24, mas essa é uma decisão que só ele poderá tomar. Se quiser continuar a ter um tratamento de exceção, o melhor é agradecer e dizer adeus.
COMUNICAÇÃO: a lengalenga montada no final do Portugal-Coreia foi feia. Fez-nos de estúpidos (media, adeptos, observadores) e a coisa rebentou nas mãos do próprio Ronaldo. O espaço da seleção deve ser mais aberto, o selecionador deve ter a capacidade de explicar as escolhas que faz, o secretismo anacrónico que segrega os clubes aqui parece ser ainda mais absurdo.

PS: sem Portugal, desejo que o futebol respeite o génio de Lionel Messi e que a Argentina possa voltar a ser campeã do mundo. 36 anos depois dos milagres a céu aberto perpetrados por Diego Armando Maradona em território azteca. "

Funcionário da FPF, on Tour!!!


"Os adeptos do Sport Lisboa e Benfica agradecem ao líder dos SD, o apoio que estava a dar a Otamendi e Enzo Fernandes, na meia final do Campeonato do Mundo do Catar.
Ficamos todos a aguardar, ansiosamente, pelo lançamento do almanaque sobre "Como conseguir fazer uma vida de luxo com o Salário Mínimo Nacional de Portugal".

Será um best seller, sem dúvida! 😏
Ou será que a FPF...!? 🤔"

A Violência no Desporto


"O tema da violência no desporto obriga, em primeiro lugar, a uma distinção do âmbito em que ocorre, isto é, a exigência da ação depende de uma análise ao que sucede dentro e fora dos recintos desportivos, ou ainda do tipo de violência. Mas já lá vamos.
É indiscutível o alargamento da violência no desporto em Portugal. De várias origens e com consequências cada vez mais marcantes e de maior dimensão, transversal a gerações, urge uma alteração radical do paradigma que se vive.
Ora, é possível verificar, a partir da informação divulgada, não só a importância da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD) como a justificação do anteriormente referido. Desde o início da sua atividade, em 2019, constatamos 590 adeptos com medida cautelar/acessória de interdição a recintos desportivos, assim como 1800 decisões condenatórias definitivas. Para além disto, tenho ainda de lembrar que, neste tempo em funções, há um largo período em que os recintos não contaram com a presença de público.
Se é certo que não vivemos nem de perto uma realidade semelhante, por exemplo, à sentida em Inglaterra a partir da década de 60 com tragédias como as de Heysel em 1985 e Hillsborough em 1989, não podemos descurar a implementação de instrumentos capazes de responder a este problema que assola o desporto nacional.
Embora com mais eco no futebol, por razões evidentes, a verdade é que é transversal às modalidades e apresenta-se de diversas formas. Alguns fenómenos são iguais e reincidentes, outros nem tanto e já ultrapassam o tradicional ódio ao adversário ou simplesmente o fanatismo clubístico. Seja violência física ou psicológica, a premissa de que os meios justificam os fins nunca assumiu tanta relevância como hoje e com um impacto negativo desmedido para os envolvidos, agentes ou atletas, profissionais ou amadores, de escalões superiores ou de formação, sócios ou meros simpatizantes. A aceitação desta realidade e que levou a muitos dos grandes incidentes de violência ocorridos, deverá ser contida o que, por sua vez, terá de levar às urgentes intervenções e de carácter regular, obstando à ideia da finalidade em detrimento do custo.
A mudança de legislatura não alterou a narrativa. Diga-se, uma narrativa acertada, coerente, mas ainda ineficaz no que respeita à capacidade de reduzir significativamente os dados que constatamos nos últimos anos, se comparada com o desejado. Porém, esta transição (até de ministério) trouxe recentemente novos instrumentos para o combate ao fenómeno. E não fazendo uma análise exaustiva do pacote legislativo para a prevenção e combate à violência no desporto, permitam-me destacar algumas medidas que considero cruciais para fazer frente a este dramático cenário que tende a cimentar-se no nosso seio. Da vertente da prevenção, a obrigatoriedade de um gestor de segurança em determinadas modalidades, figura à qual será atribuída maior responsabilidade e poder, reforçará a segurança e proteção dos expetadores. Por outro lado, na vertente do combate à violência, a prática de infração levará à medida de interdição de acesso aos recintos desportivos independentemente das modalidades, ao invés de apenas na relacionada com o ato. Para além desta, saliento também a criminalização de apoio a Grupos Organizados de Adeptos (GOA) não registados ou apoios não declarados nos protocolos com estes; e a responsabilização dos clubes pelo comportamento dos seus adeptos, mesmo na condição de visitante. Dada a falta de clareza na atual versão da Lei no que se refere a "promotor" em algumas infrações, será assim possível dar consequência pelos atos através da imputação da responsabilidade.
Posto isto, será suficiente para eliminar este problema que mancha e prolifera no desporto nacional? Claro que não. No entanto, e assumindo a dificuldade de se encontrar meios tal como a impossibilidade de, por si, o suprimirem, reconheça-se a violência, racismo, xenofobia e intolerância como um problema de todos, responsáveis pelo que sucede e agentes da solução. Da referência ao denunciante ou simplesmente assumindo a quota de responsabilidade pelo ambiente envolvente da prática desportiva; do adepto ao atleta e dirigente, o desporto é um reflexo da sociedade, assim como a sociedade é e será sempre um reflexo do desporto."

Conversa de romances


"1. Jan Vertonghen no Benfica foi um daqueles casos de amor à primeira vista e em condições nada favoráveis a devaneios do género. Vertonghen esteve dois anos no nosso clube num período cinzento da equipa de futebol, sem títulos, sem sorrisos, sem abraços, sem tudo aquilo que o internacional belga tinha vindo procurar ao Benfica para terminar a sua mais do que prestigiosa carreira nesta casa. No entanto, não foi nada disto o que aconteceu.

2. Jan Vertonghen foi-se embora no verão passado depois de ter tido com Roger Schmidt uma conversa franca e direta como o próprio Vertonghen a descreveria mais tarde. O nosso belga de eleição ainda jogou os minutos finais do Casa Pia - Benfica, logo no arranque do campeonato, e depois voltou para o seu país rumo ao Anderlecht. 'Os meus filhos foram a chorar no avião', contaria depois.

3. Voltemos ao Casa Pia - Benfica. Os três ou quatro minutos que Jan Vertonghen jogou nesta época de águia ao peito num desafio oficial da liga portuguesa colocam-no na calha, assim corra tudo como desejamos, para poder ser campeão em Portugal no fim desta temporada de 2022/2023. Vertonghen merecia, mais do que merecia, ser campeão pelo Benfica. Na realidade, não há nenhum benfiquista que não mereça ser campeão todos os anos, mas Vertonghen, enfim, sendo um dos nossos, merece essa dupla distinção que é amar o Benfica e ser um atleta campeão pelo Benfica.

4. A Bélgica saiu prematuramente deste Mundial para quem chegou ao Catar creditada como uma candidata ao título, e Jan Vertonghen, lá nas arábias, voltou a falar do seu clube com emoção de sempre: ´Tenho saudades do Benfica. Estão a fazer uma grande época. Estou orgulhoso. São um grande grupo de homens', disse o belga com a lágrima no olho. É por isto que o Benfica gosta tanto de Vertonghen como Vertonghen gosta do Benfica. Muito.

5. Continuando a conversa sobre romances. Agora, um romance alemão. Roger Schmidt fez, para uma plataforma internacional, o balanço destes seus primeiros meses no Benfica e resumiu tudo o que lhe vai na alma numa frase curta: 'Nunca vivi nada assim'. E ainda não vii nada, caro senhor Schmidt.

6. E que romance o do Gonçalo Ramos com a seleção nacional. Estrieia a titular numa fase final de um campeonato do mundo e, em resumo, três golos e uma assistência para goo de um companheiro. Deve ter batido um recorde qualquer, mas isso, na realidade, é de somemos importância.

7. Gonçalo tem muitos recordes para bater. E esperamos vê-lo fazer isso tudo com a camisola do Sport Lisboa e Benfica."

Leonor Pinhão, in O Benfica

O leilão dos miúdos do Benfica


"Em Maio de 1956, realizou-se um leilão infantil, a favor do fundo de construção do novo Parque de Jogos do Benfica

Os leilões sempre foram uma das iniciativas mais populares de angariação de fundos para a construção de Parque de Jogos. Por se realizarem semanalmente, por vezes era necessário fazer apelos no jornal do Clube para que os sócios entregassem ofertas para os leilões. Um desses apelos chamou a atenção de António Martins da Cruz, o filho mais velho do dr. António Martins da Cruz, dirigente benfiquista. O jovem escreveu uma carta para o jornal, dirigida ao seu director, dr. Paulino Gomes Júnior, expondo uma ideia:
'Eu leio sempre O Benfica que vem para o papá. No último soube que faltam prendas para os leilóes. Então lembrei-me de perguntar ao papá porque é que eu e o Quinca, que ainda não vai ao colégio, não mandávamos prendas para os leilões. O papá disse para eu falar ao Miguel e ao Janica, que são os primos de Santarém, e aos outros meninos que são do Benfica para todos mandarmos prendas e fazermos um leilão só com elas. Eu já falei aos primos, e eles querem. (...) O senhor doutor quer? Se quiser, eu, o Quincas e os primos de Santarém mandamos já as prendas.'
A dedicação desta criança não podia ser ignorada, e o seu benfiquismo devia ser preservado, pelo que a ideia foi imediatamente aceite, e rapidamente começaram a surgir as primeiras ofertas. A iniciativa mereceu o louvor de todos quantos pertenciam à organização de leilões, e o interesse das crianças começou também a crescer, porque assim se sentiam 'em pé de igualdade com os grandes'. Desde logo se definiu que seriam leiloados apenas artigos para crianças e que deveriam ser as próprias crianças a fazer as suas licitações, para que o carácter da festa fosse inteiramente infantil. Entre as ofertas que chegaram à Comissão Central estavam '6 sabonetes e 1 cavalinho de borracha', e '1 máquina fotográfica, 2 canetas, 1 livro, 1 lanterna, 1 azulejo' ou '3 gaiolas para grilos'. Foram várias e bastante valiosas as ofertas recebidas, que contaram também com a colaboração de alguns vendedores e fabricantes de brinquedos que se associaram a esta iniciativa.
Em 26 de Maio de 1956, foram muitos os pequenos benfiquistas que encheram o ginásio da secretaria para o 'leilão dos miúdos do Benfica'. O presidente Joaquim Ferreira Bogalho arrematou uma trotinete, e uma pequena caixa de bombons rendeu 990 escudos! No total, o leilão amealhou 5696 escudos para o Parque de Jogos do Benfica.
Saiba mais sobre as campanhas pró-Estádio na área 17 - Chão Sagrado do Museu Benfica - Cosme Damião."

Marisa Manana, in O Benfica