quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

A Violência no Desporto


"O tema da violência no desporto obriga, em primeiro lugar, a uma distinção do âmbito em que ocorre, isto é, a exigência da ação depende de uma análise ao que sucede dentro e fora dos recintos desportivos, ou ainda do tipo de violência. Mas já lá vamos.
É indiscutível o alargamento da violência no desporto em Portugal. De várias origens e com consequências cada vez mais marcantes e de maior dimensão, transversal a gerações, urge uma alteração radical do paradigma que se vive.
Ora, é possível verificar, a partir da informação divulgada, não só a importância da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto (APCVD) como a justificação do anteriormente referido. Desde o início da sua atividade, em 2019, constatamos 590 adeptos com medida cautelar/acessória de interdição a recintos desportivos, assim como 1800 decisões condenatórias definitivas. Para além disto, tenho ainda de lembrar que, neste tempo em funções, há um largo período em que os recintos não contaram com a presença de público.
Se é certo que não vivemos nem de perto uma realidade semelhante, por exemplo, à sentida em Inglaterra a partir da década de 60 com tragédias como as de Heysel em 1985 e Hillsborough em 1989, não podemos descurar a implementação de instrumentos capazes de responder a este problema que assola o desporto nacional.
Embora com mais eco no futebol, por razões evidentes, a verdade é que é transversal às modalidades e apresenta-se de diversas formas. Alguns fenómenos são iguais e reincidentes, outros nem tanto e já ultrapassam o tradicional ódio ao adversário ou simplesmente o fanatismo clubístico. Seja violência física ou psicológica, a premissa de que os meios justificam os fins nunca assumiu tanta relevância como hoje e com um impacto negativo desmedido para os envolvidos, agentes ou atletas, profissionais ou amadores, de escalões superiores ou de formação, sócios ou meros simpatizantes. A aceitação desta realidade e que levou a muitos dos grandes incidentes de violência ocorridos, deverá ser contida o que, por sua vez, terá de levar às urgentes intervenções e de carácter regular, obstando à ideia da finalidade em detrimento do custo.
A mudança de legislatura não alterou a narrativa. Diga-se, uma narrativa acertada, coerente, mas ainda ineficaz no que respeita à capacidade de reduzir significativamente os dados que constatamos nos últimos anos, se comparada com o desejado. Porém, esta transição (até de ministério) trouxe recentemente novos instrumentos para o combate ao fenómeno. E não fazendo uma análise exaustiva do pacote legislativo para a prevenção e combate à violência no desporto, permitam-me destacar algumas medidas que considero cruciais para fazer frente a este dramático cenário que tende a cimentar-se no nosso seio. Da vertente da prevenção, a obrigatoriedade de um gestor de segurança em determinadas modalidades, figura à qual será atribuída maior responsabilidade e poder, reforçará a segurança e proteção dos expetadores. Por outro lado, na vertente do combate à violência, a prática de infração levará à medida de interdição de acesso aos recintos desportivos independentemente das modalidades, ao invés de apenas na relacionada com o ato. Para além desta, saliento também a criminalização de apoio a Grupos Organizados de Adeptos (GOA) não registados ou apoios não declarados nos protocolos com estes; e a responsabilização dos clubes pelo comportamento dos seus adeptos, mesmo na condição de visitante. Dada a falta de clareza na atual versão da Lei no que se refere a "promotor" em algumas infrações, será assim possível dar consequência pelos atos através da imputação da responsabilidade.
Posto isto, será suficiente para eliminar este problema que mancha e prolifera no desporto nacional? Claro que não. No entanto, e assumindo a dificuldade de se encontrar meios tal como a impossibilidade de, por si, o suprimirem, reconheça-se a violência, racismo, xenofobia e intolerância como um problema de todos, responsáveis pelo que sucede e agentes da solução. Da referência ao denunciante ou simplesmente assumindo a quota de responsabilidade pelo ambiente envolvente da prática desportiva; do adepto ao atleta e dirigente, o desporto é um reflexo da sociedade, assim como a sociedade é e será sempre um reflexo do desporto."

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