terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Tango e Fado


"Há uma nuvem de desgraça e melancolia que paira sobre os dois géneros musicais mais representativos da Argentina e de Portugal. É como um fascínio pela mágoa e pela saudade, uma ode feita de acordeão, contrabaixo ou guitarra portuguesa, com vozes que saem da alma e letras que falam de cada um de nós. Tango e Fado oscilam entra a euforia e a desgraça, marcados por heróis destes e de outros tempos, como se de futebol se tratasse. Carlos Gardel, Diego Maradona, Astor Piazzolla e Lionel Messi, de azul celeste. Amália Rodrigues, Eusébio, Carlos do Carmo e Cristiano Ronaldo vestindo de vermelho e verde.
Quando Kyliam Mbappé empatou a final do Campeonato do Mundo em apenas dois minutos, parecia assistir-se a um arrastar dos corpos argentinos em direção ao abismo. Como as quatro pernas que se entrelaçam no tango, quasse a contrariar as leis da gravidade No final, com prolongamento e grandes penalidades, tocou-se o último acorde de uma história que se fosse escrita pareceria irreal.
Já o fado do futebol português, foi mais vadio do que trágico. Engalanou-se a preceito, meteu o peito para fora, fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, sacando aplausos aos silenciosos convidados de uma casa de fados mal afamada, num bairro alto em contradições que se chama Catar. Infelizmente, nos quartos-de-final, o nosso fado-futebol meteu as mãos nos bolsos e gingou, mas desta vez ao sim do alaúde árabe.
Vibrei muito com esta vitória da Argentina, por razões familiares e pela história se superação e de glória, mas à semelhança do que sinto pelo Sport Lisboa e Benfica, não o fiz contra ninguém. Aprecio tanto Messi como Cristiano, sou um felizardo por ter testemunhado este duelo épico entre jogadores. Não os consigo classificar um perante o outro, qual o melhor e o pior, tal como com o Tango e o Fado. Falam do mesmo, fazem sentir o mesmo, com sons, letras e vozes diferentes de superação e desgraça, mas no final, cada um faz arrepiar a pele da mesma forma.
Obrigado, Otamendi, Enzo, Di Maria e Pablito Aimar, que concerto inesquecível."

Ricardo Santos, in O Benfica

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