sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

O dia em que elogio Fernando Santos


"Era outubro de 2006, o Benfica ia visitar o Dragão e Fernando Santos treinava as águias. Para oferecer algo diferente sobre o engenheiro que desenhara o penta do FC Porto, fiz-me ao caminho e bati à porta da Igreja das Antas.
O padre Fernando era, à data, confessor e amigo próximo do treinador. Sem quebrar o sigilo da penitência, o sacerdote mostrou-me um lado menos evidente da figura que eu propusera descobrir.
Falou-me das «escapadelas» dos estágios para atender à missa, das aulas de catequese dadas ainda nos tempos do Estrela da Amadora, da colaboração humanista com o Seminário de Vilar e dos atos de contrição feitos em relação à vida profissional.
«O Fernando Santos era um bocadito mole com os jogadores. Não tinha a autoridade e a intimidade que deveria ter com eles. E eu cheguei a dizer-lhe isso», advertiu o senhor padre, ele próprio amante de um prazer terreno em forma de bola de futebol.
Este lado de maior condescendência preocupou-me, principalmente a partir do momento em que Fernando Santos assumiu o cargo de selecionador nacional. Como iria um homem «um bocadito mole» gerir os egos de tantos craques e o hedonismo altivo do maior de todos, Cristiano Ronaldo?
Fernando Santos optou pela proximidade e companheirismo. Amparou todas as decisões e comportamentos de Cristiano, permitiu-lhe a ausência antecipada antes do jogo para o terceiro e quarto lugares na Taça das Confederações (2017) e até o libertou da fase de grupos da Liga das Nações (2018), sempre a pensar na comunhão de interesses entre o grupo e o mais mediático futebolista do planeta.
Pese um ou outro exagero, Fernando Santos foi o selecionador que melhor soube lidar com Cristiano. Soube tê-lo sempre do seu lado e capitalizou essa confiança para influenciar o restante grupo.
Enquanto o rendimento de Cristiano Ronaldo foi estratosférico, os devaneios foram tolerados por todos – todos! – e as manias do avançado foram registadas apenas como tiques de uma personalidade ambiciosa disparada por um espírito de rara competitividade.
O pior estava por vir. O tempo apanhou Cristiano e Cristiano não soube aceitar as regras do tempo. Mas este não é um texto sobre Ronaldo. Quero falar das reações certeiras de Fernando Santos nos últimos dois dias. Reações que contrariam o senhor abade das Antas e a tese cristã do «bocadito mole».
O caráter de Fernando Santos não o permitiu embarcar na encenação de spin doctors apressados e o selecionador deu um murro na mesa. Não literalmente, mas deu. Não gostou «mesmo nada» das imagens de Cristiano a tecer impropérios aziados sobre o homem que mais o ajudou na Seleção Nacional e afirmou-o convictamente em praça pública.
Consequência direta dessas imagens, ou não, a verdade é que Cristiano Ronaldo foi para o banco de suplentes no decisivo jogo contra a Suíça – ao lado de João Cancelo, outro exemplar em penoso sub-rendimento neste Mundial.
Fernando Santos arriscou, olhou para quem estava melhor desportivamente e não quis saber das maiúsculas de cada nome. Podia ter corrido mal, naturalmente, e o ciclo do experiente treinador acabaria em tom de dó menor. Mas correu bem, correu extraordinariamente bem e Portugal escreveu uma das mais brilhantes páginas da sua história.
O selecionador mostrou a todo o planeta que a Seleção Nacional só tem um líder e esse chama-se Fernando Santos. Depois de demasiados anos numa ressonância pastosa daquilo que foi Portugal no Euro2016, o treinador reagiu e percebeu que jogar com os melhores e de forma ameaçadora é bem capaz de ser uma boa ideia.
O meu desejo? Que Santos não volte atrás e seja firme nas opções tomadas. Grande parte do mérito da imprevista goleada aplicada à Suíça nasceu na coragem do selecionador. Um homem que de bocadito mole nada teve nos últimos dias."

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