"É uma das minhas histórias preferidas do Mundial e nem sequer aconteceu (ou vai acontecendo) em Doha. Então é assim: quando se transferiu para o Boca Juniors e viu a plata a entrar-lhe bolsos adentro, Diego Maradona tirou os pais da vida insalubre que levavam na Villa Fiorito, bairro de má fama nos arrabaldes de Buenos Aires, e comprou uma casa em Villa Devoto, onde Don Diego, o pai, e Doña Tota, a mãe, se permitiram finalmente a um dia a dia de classe média.
A casa, número 4575 da calle José Luis Cantilo, caso o caro leitor queira lá dar uma passada, ficou na família até à morte do Barrilete Cósmico, em 2020, e acabou comprada por três irmãos. Não se sabe quem são, mas eles sabem que a sua propriedade faz parte de um legado comum de amor por Diego, o mais malabarista dos futebolistas. E quando assim é, torna-se obrigatório abrir portas, partilhar.
Durante este Mundial, a casa tem estado de portas escancaradas a quem quer entrar para ver os jogos da Argentina. Fazem-se festas alvicelestes. Não se perguntam nomes, quem são as pessoas, se conhecem os donos: entra-se e pronto. E ontem à noite não pude deixar de pensar como ali se terá vivido aquele slalom messiânico ao minuto 69, quando Lionel, a encarnação em campo mais perfeita de Diego, arrancou por ali fora, com a bola num beijo interminável com a bota, pela direita como Maradona em 86, e driblou uma, duas, três vezes o melhor central deste Mundial, Josko Gvardiol, que aos 20 anos terá percebido ali que a diferença entre o céu e o inferno pode ser um génio de um metro e sessenta e nove a dançar à nossa frente.
Aos 35 anos, Messi continua a guardar as forças que lhe restam para três ou quatro momentos celestiais e neste Mundial tem pintalgado os jogos da Argentina com esse pó estelar de que são feitos os sonhos. Isso chega para nos maravilhar, passados todos estes anos. No domingo, jogará a sua segunda final de um Mundial e nunca esteve tão perto de se desamarrar das comparações a Diego. Mas, aconteça o que acontecer, abata-se ou não sobre ele o fantasma da derradeira oportunidade perdida, um dia vamos todos poder dizer, Lionel Messi: vi jogar.
Hoje, à noitinha, Messi saberá quem terá pela frente na final de domingo, França ou Marrocos. Um duelo com Mbappé elevaria o estatuto do jogo a acontecimento essencial para o presente e futuro do futebol, um desses alinhamentos cósmicos que marcam a história das coisas. Seria forte, muito forte."
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