terça-feira, 13 de dezembro de 2022

E depois do adeus (ao Catar)? Uma seleção portuguesa rejuvenescida e com talento, mas querendo jogar que futebol e com que líderes?


"O Mundial 2022 foi, simultaneamente, o último de Ronaldo e Pepe e o primeiro de Rafael Leão, João Félix, Gonçalo Ramos, Vitinha, Diogo Dalot, Diogo Costa ou Nuno Mendes. Para o futuro fica a certeza da abundância de talento existente, mas colocam-se várias interrogações sobre o caminho a seguir para voltar a aproximar Portugal das grandes decisões

No meio da euforia com a vitória contra a Suíça ou da tristeza com a derrota frente a Marrocos, entre as polémicas sobre Cristiano Ronaldo e os omnipresentes comentários do Presidente da República antes e depois dos jogos, há um facto de relevância geracional sobre a participação nacional no Mundial 2022: a seleção pertence, definitivamente, às fornadas de talento deslumbrante que, nos últimos anos, se vieram anunciando, primeiro nos torneios de seleções jovens e depois em contextos de elevada exigência competitiva.
Em 2018, Portugal competiu na Rússia com oito jogadores com mais de 30 anos (Beto, Bruno Alves, Pepe, José Fonte, Manuel Fernandes, João Moutinho, Cristiano Ronaldo e Quaresma) e com seis com 23 anos ou menos (Rúben Dias, Bernardo Silva, Bruno Fernandes, André Silva, Gonçalo Guedes e Gelson Martins); Em 2021, a seleção esteve no Europeu pandémico com cinco futebolistas acima das 30 voltas ao sol (Rui Patrício, Pepe, José Fonte, João Moutinho e Cristiano Ronaldo) e cinco com 23 ou menos (Diogo Dalot, Nuno Mendes, Renato Sanches, Pedro Gonçalves e João Félix).
Já em 2022, os registos de mais e menos jovens foram, do lado dos veteranos, encolhidos, e do lado dos menos experientes, ampliados: a convocatória teve apenas três homens acima dos 30 anos, sendo que só dois foram utilizados (Pepe e Ronaldo, com Rui Patrício a nunca sair do banco), e contou com nove futebolistas com 23 anos ou menos (Diogo Costa, Diogo Dalot, Nuno Mendes, António Silva, Vitinha, Matheus Nunes, João Félix, Rafael Leão e Gonçalo Ramos). Todos os jovens foram utilizados e só Matheus não foi titular nalgum dos cinco desafios.
Assim, a primeira conclusão para o que aí vem de Portugal já era mais ou menos conhecida. Há muito e bom futuro, ou não estivéssemos a falar de um país com resultados de excelência na formação.
Destes nove sub-23, Matheus Nunes, Nuno Mendes e João Félix são caso especiais, o primeiro porque só passou a representar Portugal enquanto sénior e o segundo e o terceiro porque já atuavam nas equipas principais de Sporting e Benfica quando ainda podiam estar em Europeus sub-19, mas há uma evidência da qualidade das prestações das seleções jovens que une os outros seis: todos foram, pelo menos, vice-campeões europeus de um torneio continental. Há campeões da Europa sub-17, como Diogo Costa, Diogo Dalot e Rafael Leão, sub-19, como Diogo Costa, ou da Youth League, como Costa e António Silva; há vice-campeões da Europa sub-19, como Vitinha e Ramos, e sub-21, como Costa, Dalot, Vitinha, Leão e Ramos.
Os sinais dados nesses torneios têm sido confirmados a nível sénior. Rafael Leão foi considerado o melhor jogador da última edição da Serie A italiana, Gonçalo Ramos é o melhor marcador da I Liga, Diogo Dalot tem sido alvo de todo o tipo de elogios devido à temporada que tem feito no Manchester United e Vitinha destaca-se a combinar com Messi ou Neymar no PSG.
Este foi o Campeonato do Mundo em que estes talentos se conjugaram pela primeira vez num grande palco, com outros, que provavelmente também estão condenados a serem protagonistas no futuro próximo, assistindo em casa. E, claro, ainda há gente da elite europeia como Raphael Guerreiro, João Cancelo, Bruno Fernandes ou Bernardo Silva, todos com 28 anos ou menos.

Do Banco Ao Campo, As Dúvidas Sobre A Liderança
Os 37 anos do cartão de cidadão e as lágrimas após a derrota contra Marrocos já davam como altamente provável que, no Catar, Cristiano Ronaldo se tivesse despedido dos Mundiais de futebol. Agora, a publicação que o avançado fez nas redes sociais acentuou essa ideia, que também se aplica a Pepe, que fará 40 anos em fevereiro.
Ainda assim, o Euro 2024 pode ser um horizonte alcançável para ambos. Pepe acabou de demonstrar ainda conseguir jogar ao máximo nível, enquanto Ronaldo, em setembro, se auto-convocou para a competição que decorrerá na Alemanha.
No entanto, a quebra de rendimento do avançado — apenas quatro golos, dois deles de penálti, em 23 encontros esta temporada entre United e seleção — e a incógnita em torno do seu seguinte clube tornam legítimas todas as interrogações sobre o futuro. Assim, seja no caminho para 2024 ou para 2026, a liderança da equipa dentro de campo é uma questão óbvia.
Depois de muitos anos de Cristiano Ronaldo, será preciso outro capitão. Dos jogadores que estiveram presentes no Catar, Rui Patrício é, excluindo Pepe e Ronaldo, o mais internacional, mas a sua condição de suplente e idade descartam que possa ser uma opção de longo prazo.
Bernardo Silva, Bruno Fernandes ou Rúben Dias são candidatos óbvios. Os dois primeiros assumem-se, aos 28 anos, como claras opções para se assumirem como referências de um Portugal de futuro, pela conjugação de experiência com um horizonte de futuro que possuem.
Bernardo é já o 19.º jogador com mais compromissos com Portugal (78 internacionalizações), tendo tudo para terminar 2023, pelo menos, às portas do top 10; Bruno Fernandes, com 53 jogos pela equipa nacional, está habituado a usar a braçadeira, quer no Sporting quer no United, e contra Marrocos voltou a demonstrar a sua liderança futebolística. Rúben Dias é mais novo e tem vivido uns meses de menor fulgor, mas é, desde a formação, um líder, papel que também já desempenhou no Manchester City.
Se dentro de campo há dúvidas sobre o que virá para as maiores referências do passado recente, no banco também há alguns pontos de interrogação.
Fernando Santos, no cargo desde 2014, disse que ia falar com o presidente da Federação Portuguesa de Futebol em Lisboa. O treinador, de 68 anos, tem contrato até ao final do Euro 2024. Fernando Santos é o selecionador que orientou Portugal em mais encontros, com 109 partidas. Levou a seleção aos dois únicos títulos da sua história, o Euro 2016 e a Liga das Nações 2018/19, mas ultimamente os resultados têm ficado aquém do potencial disponível.
Na qualificação para o Euro 2020, Portugal ficou em segundo no Grupo B, atrás da Ucrânia. Na fase final desse campeonato, só conseguiu bater (3-0) a Hungria, sofrendo uma pesada derrota (4-2) contra a Alemanha e empatando (2-2) com a França, antes de cair (1-0) nos oitavos de final contra a Bélgica.
Nas duas últimas edições da Liga das Nações, a seleção nunca superou a fase de grupos. Em 2020/21, ficou atrás da França e, em 2022/23, foi eliminada pela Espanha após uma derrota em Braga, num jogo em que apenas precisava de um empate.
Na qualificação para este Mundial, a equipa de Fernando Santos voltou a desiludir, perdendo com a Sérvia em casa quando também bastava um empate para estar no Catar. O apuramento só foi conseguido no play-off.
Quer isto dizer que, nas quatro provas (duas Ligas das Nações, um Europeu e um Mundial) que disputou desde o triunfo na Liga das Nações 2018/19, Portugal nunca conseguiu estar entre os quatro melhores. A juntar a isto, nas duas fases de qualificação deste período a seleção não conseguiu vencer os respetivos grupos.

“Pouco Importa", Muito Importa Ou Importa Mais Ou Menos?
Bruno, Bernardo e Félix. Mais Otávio, um médio mais recuado com recursos ao nível da circulação de bola (William/Rúben Neves) e um ponta de lança (Ronaldo/Ramos). Ao contrário do que vimos noutros torneios, em que os altos e baixos de uma partida condicionavam as opções para a seguinte, Fernando Santos foi para o Catar com a mala com mais certezas.
O técnico não só juntou mais talento do que é comum em si, como manifestou a ideia de ter mais protagonismo com bola. Por várias vezes falou de uma “nova ideia” e da importância da “criatividade” dos jogadores, ainda que apelando sempre à “segurança” e “responsabilidade”, como se com um olho sempre no travão de mão tático.
Os executantes finos estavam lá, a ideia também, mas pareceram faltar automatismos, dinâmicas e, por vezes, convicção na ideia. Talvez a causa para isso esteja na novidade da coisa por parte de uma seleção que ainda em setembro, contra a Espanha, foi totalmente diferente, bem mais reativa e menos protagonista.
O caminho para 2024 passará, também por definir com que jogar irá Portugal abordar o futuro. Há muitos e variados médios, desde João Palhinha ou Florentino, reis de duelos, até Vitinha e Bernardo Silva, criativos gestores de posse, passando por Matheus ou Renato, mais fortes na condução e transporte, e chegando a Bruno Fernandes e Fábio Vieira, homens de veneno nas botas para rematar ou assistir, não esquecendo os pés de veludo de William ou o faz-tudo Otávio.
Há um grupo de laterais de elite e o centro da defesa parece ter ganhado um nome para o futuro com António Silva. No ataque também reina a abundância personificada por Leão, Ramos, Diogo Jota, Pedro Neto ou João Félix.
Havendo os protagonistas, falta definir o estilo que se quer impor — se é que se quer impor algum e não ficar à mercê da iniciativa rival. Claro que, para isto, convém esclarecer, primeiro, o futuro do comando técnico, algo que se espera que suceda no futuro próximo.

O Que Aí Vem
Como o mundo da bola nunca deixa de rodar, para a seleção segue-se novo objetivo. O Euro 2024 realizar-se-á de 14 de junho a 14 de julho na Alemanha e, tendo a equipa de Fernando Santos falhado a presença na final four da Liga das Nações, é a próxima possibilidade de erguer um título.
Para lá chegar sem recorrer aos clássicos play-offs, a seleção terá de ser uma das duas melhores de um grupo sem adversários de peso. Eslováquia, Luxemburgo, Islândia, Liechtenstein e Bósnia estarão no caminho de Portugal até à Alemanha, num grupo sem qualquer opositor que tenha estado no Mundial 2022 e apenas com um (Eslováquia) que disputou o último Europeu.
A estreia de Portugal nessa caminhada é em março de 2023. Dia 23 há uma receção ao Liechtenstein e dia 26 uma deslocação ao Luxemburgo. A época 2022/23 fecha, para a seleção, contra a Bósnia, em casa e a 17 de junho, e frente à Islândia, fora e a 20 de junho.
Há mais de 10 anos que Portugal não sabe o que é um grande torneio sem Fernando Santos no banco (Mundial 2014). Há mais de 16 que não sabe o que é um Europeu ou Mundial sem Pepe (Mundial 2006). Há mais de 20 que desconhece o que é uma competição deste nível sem Cristiano Ronaldo (Mundial 2002). Os próximos tempos ajudarão a entender até que ponto o Catar 2022 marcará um antes e um depois."

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