domingo, 11 de dezembro de 2022

Catarses 2️⃣7️⃣ A grande tenda marroquina


"As tendas dos nómadas do deserto são obras de arte e engenho que suportam os ventos e as temperaturas extremas, tanto o frio como o calor. São escancaradas pelas abas para deixar circular o ar, mas absolutamente bem escoradas e firmes, para manterem o centro à sombra, fresca e tranquila - e os inimigos à vista. Assim é o sistema de jogo de Marrocos, um enorme “bivouac”, à boa maneira dos séquitos dos berberes que viajam sempre com a casa às costas, em protecção da sua área, aberto pelos lados às brisas inofensivas do ataque português, mas mantendo sempre a zona central e a baliza vedadas aos raios de luz e calor das estrelas adversárias.
Só um vendaval ofensivo poderia abanar e derrubar o enorme acampamento marroquino, mas parece que as únicas tempestades causadas pelas nortadas portuguesas no deserto do Catar foram de “fogo amigo” e de areia e poeira sopradas para os olhos dos adeptos pela ventoinha de informação e contra-informação da FPF.
Assim se resume a carreira de Marrocos no Mundial, derrotando em sequência algumas das maiores potências, Bélgica, Espanha e Portugal, e resistindo à Croácia, com apenas seis golos marcados, mas, sobretudo, somente um golo sofrido - um auto-golo até, portanto com 100% de eficácia defensiva perante cinco adversários em 600 minutos de jogo.
Porque o ataque ganha jogos, mas a defesa ganha campeonatos - dizem os americanos. No caso de Portugal, foi um erro defensivo, uma “barraca” na realidade, que nos levou mais um campeonato de esperanças e sonhos.
Sim, Marrocos tem uma equipa muito organizada, forte, combativa, com um guarda-redes que faz a diferença e avançados buliçosos, mas sem qualquer jogador de classe mundial como têm os outros semi-finalistas e os favoritos já mandados para casa. É, aconteça o que acontecer a seguir, um campeão pelo trabalho e pela determinação.
O futebol, que começou a ser jogado no século XIX em 2x2x6, tornou-se no mais adorado desporto pela luta eterna dos treinadores ambiciosos contra os arquitectos da defesa e do anti-golo. Em décadas sucessivas, foram inventados o defesa-central, o stopper, o WM, o ”Método” e o “Sistema” de Pozzo, a “retranca” suíça, o “libero”, o “catenaccio”, o terceiro central - e houve sempre “antídotos” de ataque, que passaram pela criatividade, liberdade de acção e genialidade dos melhores jogadores. Amarrar os atacantes a sistemas defensivos é um crime de lesa-futebol. Há tempos, apareceu no léxico futebolês o verbo “desmontar”, lançado pelo treinador Vítor Pereira como comentador televisivo fugaz. “Desmontar” as defesas tornou-se então a ‘password’ dos “experts” para toda e qualquer situação de dificuldade perante equipas bem montadas na defesa.
Ora, “desmontar” é o enigma que Fernando Santos nunca conseguiu resolver na maioria dos jogos mais complexos dos seus anos na FEMACOSA federativa, sobretudo nas fases adiantadas das grandes competições, com o bambúrrio do Euro-2016 a servir como a excepção.
Bola trocada atrás e pontapés longos a procurar espaços inexistentes nas costas da defensiva marroquina, sem ritmo, sem dinâmica, sem criar superioridade nas zonas nevrálgicas, assim jogou Portugal cerca de uma hora até à introdução desesperada e sem nexo de mais e ainda mais corpos para a frente ofensiva.
Se foram os jogadores que decidiram ou obrigaram a estes equívocos estratégicos, em contra-ciclo com as boas ideias mostradas na partida anterior, é porque o treinador não tem “criatividade nem imaginação”, precisamente os defeitos que aponta à equipa.
Porque, efetivamente, dispôs e desperdiçou o maior naipe de jogadores de classe mundial de sempre, melhor que o dos campeões europeus, e termina - assim espero - o longo consulado sem nos deixar um legado que possa constituir base de trabalho, seja para quem quer que venha a seguir. Portugal tem jogadores excepcionais, que merecem um seleccionador tão bom e seguro de si, que só aceite um contrato de trabalho a termo, que lhe garanta independência e superioridade moral."

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