quinta-feira, 3 de novembro de 2022

O momento mais feliz no meio da maior tragédia


"Olhamos para a tabela e só três equipas piam acima do Casa Pia, o mesmo Casa Pia que chegou à I Liga esta temporada 83 longínquos anos depois. Só Benfica, Braga e FC Porto têm mais pontos que a equipa de Pina Manique, que encarou o regresso aos grandes com a cabeça fria dos projetos fortes: não desesperando à procura de reforços, na ânsia do tudo e agora - mesmo tendo por trás um investidor norte-americano, Robert Platek -, optando por solidificar aquilo que os trouxe até aqui.
Tal como na II Liga na última temporada, o Casa Pia continua a ser um coletivo consistente, que sofre poucos golos (só o Benfica tem menos golos encaixados), uma mescla de jogadores experientes e contratações cirúrgicas. Fugiu à tentação fácil das hordas de emprestados, ao entreposto de jogadores que descaracterizam um escudo. A base da equipa que subiu, essa, está lá e, mantendo a sua ideia, o Casa Pia vai fazendo um campeonato tranquilo, perdendo poucos pontos contra adversários diretos, caindo apenas contra quem se esperaria que caísse - das três derrotas no campeonato, uma é com o Benfica e outra com o Sporting.
Tudo isto já valeria loas e palavrosos encómios ao Casa Pia, mas estou aqui por outra razão. Porque, não menos importante, o Casa Pia trouxe a este campeonato que se ergue numa montanha de ar rarefeito uma brisa gentil de fair play que fazia falta. Viu-se no duelo com o Vizela, em que uma iniciativa do clube promoveu um encontro entre os treinadores antes do jogo, convívio entre os adeptos durante o mesmo e uma conferência de imprensa conjunta no final - e Filipe Martins estava lá, mesmo que essa tenha sido uma das únicas derrotas do Casa Pia esta época. E viu-se também na já famigerada flash de Vasco Fernandes após a derrota com o Sporting, que vale a pena sublinhar por ser tão rara no nosso futebol.
O bem e a violência têm uma coisa em comum: são contagiantes. O Casa Pia, ao contrário de tanta gente com responsabilidade, está a optar pelo bem. E o bem chama o bem, dos adeptos, dos rivais, coisa que quem se passeia pelos corredores dos estádios dos nossos três grandes não há maneira de aprender.
Serve por isso este texto para deixar um abraço solidário a Filipe Martins, o treinador do Casa Pia, que no domingo levou a sua equipa a mais uma vitória apesar de estar a viver uma das maiores tragédias pessoais que se pode imaginar: a perda de um pai. No meio daquele que será um dos momentos mais felizes da história dos lisboetas e do seu técnico, veio este baque imenso à qual a equipa respondeu com a solidez do costume e um golo salvador do grande destaque individual da época, que tem sido o nigeriano Saviour Godwin. E no final, porque o bem é contagioso, os adversários estavam lá para abraçar o treinador.
A fotografia que dá cor a esta newsletter mostra-nos Filipe Martins a sorrir porque esperamos que o possa fazer em breve. E, além disso, o 4.º lugar fica-lhes bem."

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