domingo, 23 de outubro de 2022

Quem vais chamar? Rafa, o supersónico caça-fantasmas


"Um golo do atacante deu o triunfo (1-0) ao Benfica no Dragão, terminando com a série de nove clássicos sem perder do FC Porto e aumentando para seis os pontos de vantagem da equipa de Schmidt para os atuais campeões nacionais. A expulsão de Eustáquio, logo aos 27', fragilizou uns dragões fiéis ao ideário de Sérgio Conceição, mas só a velocidade e técnica de Rafa desequilibraram definitivamente a partida

Para o bem e para o mal, Rafa Silva parece viver no mundo de Rafa Silva. Apesar de ser, há vários anos, umas das principais figuras do Benfica, um bicampeão nacional e campeão europeu, continua com aquele ar algo alheio do star system, como se ainda fosse o miúdo desconhecido que começou a dar nas vistas no Feirense. Às vezes parece que o que o rodeia é indiferente, que não o afeta nem condiciona.
Rafa Silva não só vive no mundo de Rafa Silva pelo seu jeito de ser. Rafa Silva vive, sobretudo, no mundo de Rafa Silva quando pega na bola com metros pela frente. Aí, as partidas, particularmente no campeonato português, entram numa dimensão, num universo que é só de Rafa Silva. O atacante vai conduzindo a bola, dando passinhos pequeninos, dando a impressão de ser daquelas bonecos cujas pernas, de tão velozes, se tornam imperceptíveis, impossíveis de observar.
Ver Rafa, o craque que não tem aquele ar altivo e superior de craque, arrancar em progressão é assistir a um momento ímpar da bola nacional, particularidade singular, obra única e registada. Só no mundo de Rafa, naquele mundo tão particular em que ele vive, é que existe tamanha conjugação de velocidade supersónica, condução de bola umbilicalmente atada ao pé e passada curtinha que parece ir acelerando à medida que os metros passam e os adversários ficam para trás.
Foi, justamente, aos pés de Rafa que foi parar a bola aos 72', depois de David Neres a ter recuperado na sequência de um lance de perigo de Pepê. A ambição do FC Porto, que não deixava de olhar a baliza de Vlachodimos mesmo estando há muito com 10, levara os locais a colocarem cinco homens na área rival no lance anterior.
Neres e Rafa, Rafa e Neres combinaram para castigar a audácia dos campeões nacionais. Da sintonia entre os dois foi forjado o contra-ataque que penalizou a descompensação do FC Porto e fez o único golo do triunfo, por 1-0, dos líderes da prova frente aos atuais detentores do troféu. Com nove triunfos em 10 rondas do campeonato, seis pontos de vantagem para os dragões no topo da I Liga e 15 vitórias e quatro empates na temporada, o Benfica continua a viver 2022/23 de sorriso rasgado.
Sérgio Conceição pedira que os adeptos chegassem cedo ao Dragão, para assim começarem logo a gerar um ambiente que empurrasse a equipa para a frente. E a verdade é que, se o técnico tinha pensando conjugar a energia que viesse das bancadas com a agressividade apresentada no relvado, o sucedido foi de acordo com o pensado.
Recordando os arranques dos clássicos da época passada no estádio do FC Porto, os campeões nacionais começaram a morder a saída de bola do Benfica, conseguindo recuperar em zonas altas e aproveitando faltas ou lançamentos laterais para colocar a bola em cima da defesa visitante. Logo aos 3’, Fábio Cardoso rematou por cima após saída incompleta de Vlachodimos, e aos 9’ foi Uribe, vindo desde trás, a cabecear sem direção.
Foi, justamente, no nono minuto do embate que o Dragão mandou uma mensagem para uma das suas lendas. Fernando Gomes, o bibota, tem lutado contra o seu próprio corpo e, através de uma tarja, um dos topos do estádio mostrou que há nomes que não se esquecem.
Fiel exemplo da vertigem do começo do FC Porto era Galeno. O agitador brasileiro parece jogar em fast forward, como as mensagens de voz do WhatsApp que se podem ouvir mais rápido. Acelera os acontecimentos, ainda que nem sempre da maneira mais esclarecida. Essa natureza vertiginosa encaixou na perfeição no plano inicial de Sérgio Conceição, levando-o a forçar amarelos a João Mário e Bah nos 10 minutos iniciais.
Aos 15’ surgiu a melhor chance do FC Porto na primeira parte. Zaidu superou Bah em velocidade e cruzou para a área, onde Taremi se elevou, qual homenagem a outros dianteiros que voaram sobre os centrais vestidos de azul e branco. Não querendo ficar atrás, Vlachodimos também vestiu capa de super-herói para tirar o 1-0 ao iraniano.
Pouco a pouco, o Benfica libertou-se da pressão dos locais. Insistindo muito no jogo direto — no qual a precisão de António Silva é arma preciosa —, o conjunto de Roger Schmidt conseguiu as primeiras aproximações com perigo. Rafa e Bah, de cabeça, não finalizaram da melhor forma.
Mas o acontecimento que mais marcaria a etapa inicial seria, na verdade, dividido em dois, com um primeiro ato aos 24’ e um segundo aos 27’. Eustáquio, por duas vezes, chegou atrasado a duelos com Bah, talvez sem controlar a agressividade pedida por Sérgio Conceição e fomentada pelo ambiente. É o outro lado de um plano tão centrado na força nos duelos e nas disputas no limite: uma fração de segundo tarde é muito tarde. O internacional canadiano viveu-o na pele em duas ocasiões, suficientes para deixar o FC Porto com 10 antes da meia hora de encontro.
Até ao intervalo, o Benfica dispôs, aos 36’, de uma enorme oportunidade. Aursnes, parecendo um extremo e não o médio que é, furou pela esquerda, atirando ao poste de Diogo Costa. O ressalto foi parar à cabeça de Rafa Silva, que voltou a encontrar-se com o ferro, desta feita com a barra. Nos últimos minutos do primeiro tempo o FC Porto, muito através de bolas lançadas na profundidade, conseguiu esticar-se no terreno, com as águias a perderem-se um pouco num futebol pouco apoiado.
O desfecho da etapa inicial vira o FC Porto pressionar muito Bah, na tentativa de conseguir que o lateral também visse o segundo amarelo. Ao intervalo, Roger Schmidt deixou claro que, para chegar à vantagem no marcador, era fundamental conservar a superioridade numérica. Os amarelados João Mário, Enzo e Bah saíram, entrando David Neres, Gilberto e Draxler. O alemão só duraria 18 minutos, saindo lesionado aos 63'.
O segundo tempo, como se poderia prever, começou com os visitantes a dominarem e os locais a tentarem fechar os caminhos para a sua baliza, com Taremi como espécie de ala direito. Após grande abertura de Aursnes — um dos melhores campo —, Grimaldo serviu Rafa, que voltou a ver a sua finalização não ter êxito, desta vez porque David Carmo cortou o remate do atacante das águia. Mas era evidente onde estava o perigo maior do Benfica.
Com o passar dos minutos, o FC Porto foi-se voltando a aproximar de Vlachodimos. Com muita força nos duelos e liderada pelo incansável Otávio, a equipa de Sérgio Conceição foi quase sempre o que o seu técnico espera dela. Mas, aos 72', pagou cara a ambição de colocar cinco homens na área rival estando em inferioridade numérica.
Pepê superou Grimaldo com mestria, entrando na área. Perto da baliza de Vlachodimos havia cinco jogadores dos locais, mas o ressalto foi recolhido por Neres, mais forte que Zaidu. E dos pés do brasileiro foi para as pernas que Conceição menos quereria que tivessem espaço para arrancar e liderar um contra-ataque, as de Rafa, seu antigo pupilo no Sporting de Braga, em 2014/15. A assistência de Neres, na devolução da jogada, para Rafa nem foi perfeita, mas o supersónico soube ganhar espaço para decidir o jogo.
O golo não tirou crença aos azuis e brancos, que ainda se lançaram rumo à baliza rival. Sempre liderados por Otávio, o faz-tudo de Sérgio Conceição, mas muito desgastados por tanto tempo a correr com menos um. A última verdadeira oportunidade seria do Benfica, com Diogo Costa a evitar um auto-golo de David Carmo.
O 1-0 terminou com a invencibilidade do FC Porto em clássicos contra o Benfica, que durava há nove jogos. Os dragões vinham de três triunfos seguidos contra as águias, só tendo perdido dois dos últimos 18 confrontos diretos entre os rivais. Quem é que o Benfica chamou para caçar este fantasma? Rafa Silva, o supersónico craque que vive no seu mundo. E que prolonga o estado de felicidade de um Benfica a quem tudo corre de feição em 2022/23."

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