"Na passada semana foi tornado público mais um caso com fortes indícios de assédio sexual no desporto – num espaço de horas, a imprensa retratou uma realidade pouco desejável (mas, infelizmente, mais presente no nosso quotidiano do que desejaríamos), onde um treinador de futebol foi acusado por um grupo de atletas que não só fez a denúncia como partilhou um conjunto de mensagens de conteúdo, no mínimo, duvidoso e nada recomendável por parte de quem ocuparia uma posição hierarquicamente superior na organização.
O tema do assédio e do abuso sexual foram já alvo de reflexão nesta coluna (aqui e aqui) e, possivelmente, poder-se-ia escrever um sem número de outros artigos com tantas outras perspetivas.
O Contexto
De facto, quando se aborda este tema à primeira vista parece que este tipo de episódios acontece numa espécie de “folha branca” ou experiência laboratorial onde os únicos “atores” são o abusador (homem ou mulher) e a vítima – não é verdade. Para além de abusador e abusado há uma enorme “plateia” de observadores que ao longo do tempo escolhem, intencionalmente ou negligentemente (porque “era só a brincar”) ser conivente com o abuso pontual ou continuo que, muitas vezes, observam ou suspeitam.
O analfabetismo emocional que nos caracteriza, a falta de empatia e anestesia emocional que escolhemos (consciente ou inconscientemente) viver, leva-nos a passar aceleradamente por todas as situações que possam transportar-nos para uma dimensão de desconforto ou confronto com o outro – e a “tribo dos abusadores” agradece este comportamento tipo “rebanho” que vamos tendo, pois permite-lhes experienciar uma espécie de manto magico de omnipotência que faz com que nem sequer se preocupem em “esconder o seu rasto”, dando-se ao luxo de até deixar bem visíveis parte dos seus instrumentos de abuso e assédio (no caso, as mensagens).
Sentido De Comunidade
Não temos – o que é uma pena.
Por curiosidade:
· Quantas atletas de futebol feminino se associaram à consternação que surgiu por dois dias ou apoiaram a coragem das suas colegas em tornar público um comportamento de que elas próprias poderão vir a ser alvo no futuro?
· Melhor ainda, quantos colegas de profissão (homens – que têm irmãs, filhas, esposas que podem, de igual forma, vir a ser vítimas no futuro), com muito maior impacto na sociedade e desporto em geral, se associaram voluntariamente a este tipo de manifestação dando visibilidade ao seu apoio às vítimas?
E porque não?
Poderíamos avançar muitas teorias, mas a resposta mais óbvia e provavelmente mais real é que, pura e simplesmente, não nos importamos assim tanto com o que se passa à nossa volta… até que bata à nossa porta (como sempre…).
Criminalizar A Conivência? Responsabilizar Pelos Danos Psicoemocionais?
Estas sim, seriam medidas que fariam disparar os níveis de empatia no nosso país - provavelmente, ouviríamos muito menos vezes o argumento de que “é um brincalhão” ou “foi sem intenção”.
Apurar a responsabilidade de quem, sabendo ou suspeitando, banalizou ou normalizou comportamentos que indiciem possibilidade de abuso, perpetuando a condição da vítima e o seu isolamento seria certamente uma das medidas mais eficazes.
Responsabilizar, abusadores e quem com eles foi conivente, por todo o tipo de trabalho terapêutico que a vítima possa necessitar (muitas vezes, anos de tratamento psiquiátrico e psicoterapêutico), bem como definir um valor que pudesse compensar de alguma forma as consequências que advêm de ter sido vítima de abuso, poderia de alguma forma ser um dissuasor forte deste tipo de comportamentos.
Na realidade, enquanto permanecermos desprovidos de empatia e sentido de comunidade, enquanto for permitido aos “predadores” passear o seu “manto mágico” de intocabilidade isolando vítimas sem qualquer tipo de consequência, seremos sempre tão culpados(as) como eles.
Agora, agora… e como tão bem nos tem caracterizado… com a ajuda da vitória do Miguel Oliveira na Tailândia (que está, naturalmente, de parabéns… não por este resultado pontual, mas pela perseverança e determinação que transporta no seu DNA) e das eleições no Brasil… o mais provável é mesmo que novamente tudo caia em esquecimento até que novo escândalo surja.
Já mudávamos qualquer coisinha…"
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