quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Eficácia, pormenores, número de faltas e outros mitos


"Recupero a expressão feliz de Jorge Valdano do «bacilo da eficácia», aquela que tudo parece explicar no futebol mesmo que na maior parte dos casos não explique nada. Percebe-se que seja um eufemismo, quando as explicações mais profundas para o insucesso são proibidas em público.
O problema é quando responsáveis, sobretudo treinadores, acreditam nelas. Todas as semanas alguém se lamenta, após um mau resultado, que tudo seria diferente «se tivéssemos sido mais eficazes nalguns momentos…». Só que o problema é muito mais de qualidade, e sobretudo de falta dela, individual ou coletiva, que de eficiência propriamente dita.
A eficácia existe, como é óbvio, mas ela é muito mais consequência que causa. No futebol, é-se mais competente porque se está melhor ou pior nos diversos momentos do jogo, coletivamente, e não porque se exerce com acerto a ação final de uma jogada, seja a defender ou a atacar. Claro que Portugal foi eficaz para marcar quatro golos na Chéquia, mas a goleada aconteceu como consequência de se ter jogado melhor.
O principal avançado, Ronaldo, nem esteve propriamente em noite eficaz. Com outro resultado seria a explicação óbvia para uma falta de golos, perante este não há como duvidar. Eficácia? Não, qualidade. E coletiva. Qualidade coletiva, desde logo, a circular a bola, o que vem aumentando claramente desde que passou a haver um 6 construtor como Rúben Neves, a ligar jogo depressa e bem. Os segundo e terceiro golos foram exemplares do que raramente se via na seleção e passou a ver-se mais vezes. E a eficácia não tem nada a ver com isso.
Outra expressão gasta é a dos pormenores, quando o que define sucesso neste jogo são os pormaiores. Vejo o Barcelona de volta à luta pelo título em Espanha devido ao pormaior de ter conseguido uma ligação coerente entre a nova ideia tática e os jogadores que agrupou. Vejo o Nápoles liderar em Itália no pormaior que é a sequência de trabalho possibilitada a Spaletti, sem contratações de aeroporto, mas com critério raro na escolha de reforços, o que permitiu, por exemplo, a descoberta do genial miúdo georgiano Kvaratskhelia (quem ainda não o conhece não perca tempo, que está ali ouro).
Vejo o Brighton seduzir em Inglaterra pelo pormaior de ter um treinador que queria jogar como Graham Potter (agora no Chelsea) e ter decidido substituí-lo por Roberto de Zerbi que quer exactamente o mesmo. É perceber que há um caminho definido, o que impede de ficar na dependência de pormenores. A propósito, já cansa ouvir treinadores referirem a importância de não se terem ganho muitos duelos ou «segundas bolas» como explicação definitiva para um resultado menos bom, logo após exibições sofríveis (para não dizer pior) ao nível das ideias.
Quanto mais uma equipa depender da atitude – que esses momentos revelarão – menos se irá distinguir das demais, a menos que se considere que os «nossos» tenham obrigação de ser profissionais mais empenhados que os «deles». E todas as semanas, já agora. Mas pior ainda é quando se refere a ausência de faltas cometidas como demonstração de incompetência, como se a agressividade se medisse em faltas e se o facto de se ter parado o jogo - ao mesmo tempo que andamos na guerra do «tempo útil» - seja sinónimo de qualidade defensiva.
A propósito, o jornal Record acaba de pegar nos dados da OPTA para mostrar que o Benfica de Roger Schmidt melhorou em quase todos os índices que a estatística pode revelar, face às quatro épocas anteriores do clube: remates, oportunidades, posse de bola, número de toques, acerto no passe, recuperações no último terço, cruzamentos com bola corrida. Em todos estes que citei, o número de ocorrências está acima dessas outras épocas e também a percentagem (crucial, porque a temporada atual apenas começou) compara com vantagem.
Há dois dados, curiosamente, em que está claramente pior, sendo mesmo, até agora, a época mais frágil desde 2018/19. Falo dos duelos ganhos e do número de faltas cometidas, que nunca foram tão poucos. E a verdade é que não têm feito grande falta."

1 comentário:

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