quarta-feira, 31 de agosto de 2022

A liderança está na subtileza pensante de João Mário


"O Benfica chegou ao primeiro lugar isolado da I Liga ao derrotar (3-2) o Paços de Ferreira, alcançando a oitava vitória em oito jogos na temporada. A equipa de Roger Schmidt voltou a ter João Mário, autor de um golo e uma assistência, em destaque, mas sofreu até final contra um adversário desfalcado e que continua sem pontuar no campeonato

Já passavam quatro minutos dos 90 quando uma perda de bola do Benfica permitiu ao Paços de Ferreira iniciar um ataque. É curiosa a psicologia da bola que faz com que, a instantes de que o árbitro apitasse e ditasse que os locais conquistariam a oitava vitória em oito partidas e os visitantes teriam a quarta derrota em quatro encontros, fossem os primeiros os ansiosos e os segundos os galvanizados. Mas correr atrás de algo é, muitas vezes, motivação maior do que defendê-lo e ali estava o Paços a lançar-se rumo à baliza de Vlachodimos, em busca de um empate que há instantes parecia missão impossível.
É que depois de 26 remates do Benfica, contra três do Paços, o resultado estava 3-2. A falta de pontaria dos encarnados contrastou com a eficácia dos castores, que com critério levaram a bola até à esquerda do ataque. Ibrahim cruzou em arco e vários jogadores dos visitantes esticaram-se na tentativa de rematar, gestos que terminaram com todos eles no chão em lamento. O que minutos antes parecia uma vitória clara do Benfica transformava-se num suspiro de alívio, num triunfo inesperadamente sofrido e, talvez por isso, mais saboroso.
A vitória não só permite à equipa de Roger Schmidt manter o pleno de vitórias em 2022/23, mas também subir à liderança isolada da I Liga. O duelo em atraso da jornada três foi a ocasião para aproveitar as escorregadelas de Sporting e FC Porto e olhar para baixo para ver todos os adversários do campeonato. Perante uma Luz que começou galvanizada mas também acabou apreensiva, foram uns pés suaves conectados com uma cabeça clarividente os que mais brilharam.
João Mário deu continuidade ao que tinha feito no Bessa e com um golo, uma assistência e muita energia e presença na partida catapultou a sua equipa para os três pontos. Partindo da meia-esquerda, o português tem espaço para pensar, virtude mais preciosa do seu jogo, executando com critério, associando-se a Grimaldo e Rafa, falantes da sua linguagem, com permissão para se aproximar mais do golo do que vem sendo normal em muita da sua carreira.
Sempre em bicos de pés, com passinhos pequeninos, o campeão da Europa em 2016 mistura traços que lhe são conhecidos — a tomada de decisão certa, o gosto pela tabela, a fineza técnica — com virtudes menos associadas à sua figura — golo, continuidade ao longo dos jogos, capacidade para repetir esforços —, como se o entusiasmo à volta deste arranque totalmente vitorioso o estivesse a empolgar também.
Com 12 baixas para este encontro, lesionados e suspensos, e com o técnico César Peixoto na bancada, o Paços chegou à Luz com a necessidade a apertar, por via de zero pontos e nenhum golo marcado nas três rondas que já disputara. Apesar das adversidades, personificadas pela presença de somente quatro jogadores de campo no banco, os visitantes não entraram mal na partida.
Conseguindo chegar à frente, o Paços foi a primeira equipa a criar perigo, com Nigel Thomas a fugir pela esquerda e, isolado perante Vlachodimos, a ver Grimaldo evitar o pior para a equipa da casa. O Benfica, com o onze habitual com a novidade de Bah no lugar de Gilberto, demorou um pouco a assentar o seu futebol, mas com o decorrer dos minutos foi cimentando uma normal superioridade, ainda que sem muitas oportunidades de golo claras.
Perante um Paços que tanto se apresentava com uma linha de quatro como com uma de cinco — Luís Bastos por vezes vestia-se de lateral e noutras ocasiões de médio —, surgiam das ligações entre João Mário e Rafa os melhores desequilíbrios dos da casa, mas foram os visitantes que abriram o marcador. Aos 39', Antunes fez uso do seu pé esquerdo de Kolarov para transformar um ressalto após um canto num tiro que foi desviado por Koffi para o 1-0. Era, simultaneamente, o primeiro golo marcado pelo Paços e o primeiro sofrido pelo Benfica na I Liga 2022/23.
Só que os ventos sopram de feição para este Benfica de Schmidt e, mesmo sofrendo um golo perto do descanso, as águias foram para o intervalo na frente. Três minutos depois do 1-0 já o marcador estava igualado.
Uma das marcas de água do futebol desta equipa são os apoios frontais que Rafa ou Gonçalo Ramos dão a lançadores como Florentino ou Morato, conseguindo enquadrar de frente para a baliza rival os seus companheiros. Foi isso que Rafa fez com David Neres, que atirou para o 1-1.
Entre as fragilidades que o mercado, as lesões ou os castigos impõem a César Peixoto, uma das mais evidentes estará na baliza. Zé Oliveira, em cima do intervalo, teve uma má abordagem a uma bola bombeada, atropelando Bah e cometendo penálti. Na transformação do castigo máximo, o confiante João Mário, que já tinha atirado ao poste, fez o 2-1.
O Benfica entrou no segundo tempo apostado em decidir a contenda, contrastando com as dificuldades dos pacenses. Bah marcou, mas foi anulado por fora de jogo, enquanto Neres fintava uma e outra vez o seu marcador direto e Florentino confirmava o seu crescimento com bola com mudanças de flanco ou passes filtrados.
Aos 56', a sociedade Rafa-João Mário voltou a funcionar para o 3-1. O elétrico Rafa está cada vez mais cómodo no meio, esperando pela bola para receber enquadrado e fazer a diferença com as suas conduções supersónicas. Soltou para João Mário que, de primeira, ofereceu o golo a Gonçalo Ramos.
O duelo parecia decidido, mas a falta de pontaria de Ramos ou de Henrique Araújo impediu que o Benfica chegasse ao quarto golo. Do outro lado, o Paços não deixou as boas intenções que sempre demonstram os homens de César Peixoto, chegando ao 3-2 novamente por Koffi.
Os instantes finais foram de sofrimento para o Benfica, ainda que as melhores oportunidades fossem sempre encarnadas. Oito vitórias em oito partidas e a liderança isolada do campeonato é um começo perfeito para Roger Schmidt, que se apoia no cérebro e nas pernas subtis do renovado João Mário."

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