terça-feira, 24 de maio de 2022

Cashball: a bola que rolava nos jogos do Sporting


"Quando surgiu o processo Cashball, poucos tiveram dúvidas de que estávamos perante um novo escândalo de corrupção desportiva, desta vez em tons de verde. Para quem acompanhava as modalidades e testemunhava os sucessivos benefícios de arbitragem ao Sporting, ainda hoje tão presentes, as provas tornadas públicas eram irrefutáveis. Tão cristalinas como as do Apito Dourado.
Foi, por isso, com profunda estranheza que, em 2019, vimos o Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Andebol proferir o despacho de arquivamento do processo de inquérito. A decisão, rememoramos, foi tomada sem nunca se ter ouvido oficialmente os clubes prejudicados e fundamentada com a «ausência de indícios suficientes para determinar o prosseguimento do processo». No entanto, o CD da FPA deixou ressalva quanto à possibilidade de «reabertura do processo de inquérito, caso surjam ou se possa vir a aceder a novos meios de prova».
Ora, com o caso a seguir agora para julgamento, a não reabertura do processo de inquérito seria incompreensível, até porque há uma norma no Código de Processo Penal que obriga ou legitima o MP e qualquer juiz a dar a prova para efeitos de processo disciplinar desportivo. E matéria de facto para ser reapreciada não falta ao Conselho de Disciplina.
De acordo com o despacho do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, em 2017, os empresários Paulo Silva e João Gonçalves, a mando de Gonçalo Rodrigues, ex-funcionário do clube leonino, tentaram subornar dois árbitros de andebol e um futebolista do Desportivo de Chaves. No acórdão é possível ler que Paulo Silva se dirigiu ao hotel Aquae Flaviae, onde o Desportivo de Chaves se encontrava a estagiar, para que o defesa-central Leandro Freire permitisse que Bas Dost «desenvolvesse livremente as suas jogadas, sem oposição», com a promessa de lhe serem pagos 25 mil euros (12.500 por cada jogo). Quanto ao Sporting, nunca chegou a ser pronunciado na acusação, assim como o ex-diretor-geral de futebol do Clube, André Geraldes, que foi ilibado das acusações de corrupção ativa. Algo insólito, incompreensível e escandalosamente inadmissível.
Vejamos: temos acusações de corrupção ativa, mas não há ninguém acusado de corrupção passiva. Corrompeu-se ou tentou-se (que configura igualmente um crime) corromper ativamente para beneficiar quem? Quando se tenta corromper é, naturalmente, para beneficiar alguém. Mas quem? Os empresários desportivos que estão agora acusados? Foi para beneficiar o ex-funcionário do Sporting, que na altura dos factos trabalhava no gabinete de apoio aos jogadores? Não nos parece.
Era, como é óbvio, para beneficiar o Sporting, mas o Sporting nunca foi constituído arguido neste processo. Mais um lamentável episódio do menino protegido da turma.
Querem-nos fazer crer que o processo Cashball nada tem a ver com o Sporting. Dois anónimos e um dirigente do clube eclético e moralmente superior de Alvalade compravam tudo o que mexia no andebol, no hóquei e no futebol, porém, sem ninguém do clube ou da SAD saberem. Com certeza com dinheiro herdado de umas tias, e sempre em exorbitância de funções. Já o Paulo Pereira Cristóvão, no caso Cardinal, exorbitava tanto que quase saiu da Via Láctea. O dinheiro perdoado pela banca também exorbitou dos bolsos dos portugueses, mas ninguém se insurge. Não se passa nada.
Perdeu-se totalmente a vergonha. Seja por corrupção, medo, clubismo - com as pessoas escolhidas a dedo - ou um pouco por tudo isso, já toda a gente sabe e, de certa forma, aceita silenciosamente que o futebol português é mais martelado que a WWE. Não há muito tempo até ouvimos o Frederico Varandas, presidente do Sporting, contar com desfaçatez: «Tenho na minha lista dois juízes-conselheiros do Supremo, um procurador da República, um juiz-desembargador. Acha que estas pessoas não vão fazer braço-de-ferro na justiça pelo Sporting?»
É isto a suspeição zero? É nesta justiça que querem que acreditemos? Na justiça dos amigos que fazem braço-de-ferro por certos interesses?
A comunicação social também é cúmplice deste logro. Durante meses entretiveram-se a reciclar pseudonotícias baseadas em alegadas “fontes” sobre processos que envolviam o Benfica, mas, aparentemente, não conseguem (ou não lhes interessa) ter acesso às fontes de processos que envolvem outros clubes. A tentativa de branqueamento é notória. Os ilustres comentadores da nossa praça que discutiam os processos dos emails e e-toupeira cheios de certezas, sobre o Cashball revelam-se mais ponderados. Ontem até ouvimos o Nuno Saraiva, que era diretor de comunicação do Sporting à data dos factos, dizer - sem rir - que, em abstrato, não faz sentido que Paulo Gonçalves, assessor jurídico, montasse o caso e-toupeira sem que a direção do Benfica soubesse. No entanto, Gonçalo Rodrigues, um funcionário do gabinete de apoio aos jogadores do Sporting, já montava, no caso Cashball, um esquema de corrupção no andebol e no futebol sem que a direção de Bruno de Carvalho soubesse de nada. A distinta lata seria genial, se não fosse também miserável.
Chegou o momento de dizermos basta. Basta desta pouca-vergonha. O Cashball é o maior escândalo do futebol português deste o Apito Dourado. Que tenhamos a capacidade de aprender com o passado a não cometer os mesmos erros no presente. É imprescindível recuperar a credibilidade das instituições do futebol e da justiça e erradicar a cultura do facilitismo, do compadrio e da incompetência que durante largos anos permitiu que a verdade desportiva do nosso futebol fosse adulterada, bloqueando o seu desenvolvimento. Basta!
Nós continuaremos a fazer a nossa parte para assegurar que a verdade desportiva regressa ao futebol português."

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