"O mais Porco Pugilista Do Mundo: bronco, trapaceiro irremediável, só era possível encontrá-lo no fundo de uma garrafa de bourbon
William Amos Smith era profundamente admirado pela forma como espancava e se fazia espancar nos ringues, mas não deixava, por isso, de ser um patife. Aceite-se que era bem mais de dar do que de levar, de tal forma que venceu por duas vezes o campeonato do mundo de pesos pesados, a primeira com apenas 21 anos (em 1892), a segunda já com 27 (1898). Para um saloio analfabeto nascido em Little River, Digby County, Nova Escócia, Canadá, sexto filho de um pescador que viera dos Estados Unidos, a vida não prometia ser fácil. E não foi. Quando chegou aos 18 anos não arranjou outra profissão que não fosse a de andar à porrada para mexer com o dinheiro dos apostadores locais. Bruto, de tronco largo, quase quadrado, tratou da saúde a uns poucos de atrevidos que também tinham o sonho de seguir uma carreira à costa de punhos. William assumiu uma tal capacidade para odiar os seus adversários que andou ali, vai não vai, à beira da psicopatia. Mataria facilmente um homem durante um combate e ainda lhe cuspiria no cadáver. Por isso Little River era demasiado pequena para ele. Já tinha batido em quase toda a gente da terriola.
Um dos seus irmãos mais velhos, Saint-Clair Smith, tornou-se manager de William. Levou-o para os Estados Unidos e pô-lo a combater com o terrível Jack Dempsey, o primeiro campeão do mundo de pesados, de 1884 a 1891, que nessa fase já estava um bocado a cair da tripeça para ia ganhando o seu a fazer espetáculos de exibição. Claro que Smith estava louco para rebentar com as fuças a Dempsey, estando-se absolutamente nas tintas para as convenções criadas para esses espetáculos semi-forjados. Ou seja, o ideal era trocarem uns murros, encostarem-se muito às cordas e saírem de lá com a verba previamente combinada. William ia ganhando para as propinas, embora não muito, mas aborrecia-o de morte ter de fingir que mantinha o equilíbrio frente a boxeurs com mais dez anos do que ele. Então resolveu mudar de vida, meteu-se num navio a vapor, juntamente com o seu amigo Kid Lavigne, também boxeur, para Portland, onde se instalara o seu irmão mais velho. Foi por aí que ganhou a alcunha de ‘O mais Porcalhão Jogadores de Todos os Tempos’, o que não é absolutamente despiciendo.
Para William Smith, se o boxe tinha regras era para serem quebradas em todos os combates. Não hesitava em enfiar os cotovelos nos supercílios dos opositores ou enfiar-lhes nos olhos dedos de unhas mal cortadas. Um trapaceiro. Os árbitros ganharam o hábito de o suspender, de cada vez que o apanhavam com os seus truques sujos mas também é preciso dizer que era uma situação vulgar no boxe dos anos de então.
Em 1892, Billy estava em grande. Tinha acabado de vencer por KO Billy Shadow, no Pastime Athetic Club. Oregan, desafiara outros dos grandes, Danny Needham, casara com uma fedelha de 16 anos, Minnie Valentine Merchant, e mentia descaradamente sobre a sua vida em cada entrevista que dava, o que abriu uma confusão irreparável em redor da sua biografia. Os repórteres começaram a chamar-lhe de Billy Mistery, algo que lhe agradou e que sempre atirou para a valeta por uns tempos o cognome de ‘Porcalhão’.
Até deixar de combater viajou bastante por Inglaterra onde o seu estilo trafulha, ao qual acrescentara recentemente a novidade de morder pescoços e orelhas dos adversários quando as caras ficavam juntas, nunca foi bem aceite. Não era um gajo simpático, não senhor. Não teve outro remédio senão regressar aos Estados Unidos onde podia agredir os adversários mais à vontade. Habituada a apanhar a torto e a direito, Minnie era de compleição fraca e morreu um ano mais tarde com problemas sanguíneos. Smith não perdeu tempo e tratou de dar o nó com Maime Cavanought, apenas dois anos mais velha.
O ‘porcalhão’ William algum dia teria de abandonar as luvas. Acabou por ser um alívio já que ficou com mais tempo para beber, assunto no qual era verdadeiramente bom. Miss Cavanougt fartou-se dele em dois tempos. O casamento não durou um mês e, mal ela saiu de casa, Smith abriu a porta à sua terceira mulher, Josephine Hoffstatter-Barde. A verdade é que, a despeito de ter sido sempre conhecido pelo ‘Misterioso Mr. Smith’, a sua vida acabou por não ter mistério nenhum. Gastou-a a andar à porrada e a beber garrafas inteiras de bourbon enquanto chateava mulheres até à morte. Mas ainda antes de ser levado pela Senhora da Gadanha, aos 66 anos, abriu um bar chamado the Champions Rest. Enfim, pode ter descansado do pugilismo, mas nunca do halterocopismo. Tinha uma sede monstruosa, o que explicaria muitos dos seus truques sujos e se alguém queria, de facto, falar com ele com o mínimo de seriedade tinha de ir procurá-lo ao fundo de uma garrafa. Foi lá que a sua alma sempre morou. O ‘Porcalhão’ nunca lhe deu um minuto de paz."
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