sábado, 23 de abril de 2022

Mas quem é que defende?


"Arranco com uma pergunta mas a propósito de uma das melhores respostas do futebol e das que mais vezes cito, deu-a Angel Cappa, velho caminhante do jogo e do pensamento, aprendiz de Menotti e escudeiro de Valdano nos melhores anos como treinador, deu-a Cappa quando numa entrevista em que se fartou de elogiar Iniesta, pois seria tanto melhor o jogo quantos mais Iniestas houvesse em campo. Um dia destes tenho de gastar tempo com uma partida do Vissel Kobe japonês, para ver deslizar de novo, nem que seja só mais uma vez, o génio espanhol da cara pálida, antes que a cortina caia em definitivo.
Lembrei-me de Cappa e dessa resposta – já lá vou – há uns dias, durante um Tondela-Sporting em que dois dos mais lúcidos pensadores - e passadores (no sentido de passe) - viam o jogo do banco: Dantas de um lado, e não vejo em Tondela quem possa organizar melhor que ele, Bragança do outro, e não vejo no Sporting quem possa clarificar o jogo como ele. Dois talentos indiscutíveis, projetos de dimensão diferente, a mesma dificuldade de encaixe no centro do jogo, inclusive por um treinador que gosta de atacar, como Nuno Campos, e outro que precisa sempre de atacar, como Ruben Amorim. Explicação? Só pode estar no excesso de valorização que se faz em Portugal do momento defensivo. Nunca se diz de um jogador que precisa de melhorar a atacar – se calhar não há muito por onde, como no anúncio de um velho perfume: “uns têm, outros não” – mas insiste-se a toda a hora em que se tem de aprender a defender.
Vítor Bruno, o competente adjunto de Sérgio Conceição, valorizava há dias o crescimento de Fábio Vieira nos momentos sem bola. Não duvido da importância disso, mas muito mais relevante ainda é o crescimento da equipa com bola, e muito por causa de Fábio, além de Vitinha, Otávio, agora também Pepê, e do perfil dos avançados puros – diga-se também - que Taremi e Evanilson acrescentam muito ao que valiam Marega e Tiquinho. Sem perder a identidade, a equipa joga melhor e não deixou de vencer, mesmo amputada de Luis Díaz, o melhor jogador da Liga até Janeiro. O Porto dos esticões tornou-se mais Porto das ligações e ganhou com isso. A objetividade inflamada perdeu terreno para a posse diversificada e o futebol agradece. Cappa também diz que «quem tem a bola não corre, corre é quem não tem a bola».
Questionava-me há algum tempo porque é que Taarabt e João Mário (sem prescindir de Weigl) nunca jogavam juntos no Benfica, nem com Jorge Jesus nem com Nelson Veríssimo. Aconteceu recentemente, por tempo significativo e numa primeira e única vez, foram 60 minutos no jogo com o Belenenses, que era também de gestão física para Liverpool. Terá sido, mesmo assim e em muitos meses, uma das melhores horas das águias em termos ofensivos – e coletivos! -, mas já se percebeu que dificilmente se repetirá. Haverá outras razões para isso, mas uma das mais relevantes encontra-se depressa no elogio recente de Veríssimo a Gonçalo Ramos, pela grande disponibilidade física e por ligar a equipa no processo… defensivo.
É tão legítimo privilegiar um momento como o outro, mas revela sempre uma preocupação principal na construção do jogar. Do mesmo modo, gosto muito mais do Sporting de Braga quando junta André Horta a Al Musrati, para ligar, num quadrado mágico, o jogo interior com Iuri Medeiros e Ricardo Horta, ou quando não abdica da qualidade ofensiva rara de Yan Couto no corredor. O que a equipa perde em capacidade de pressão (momento defensivo) é muito menos do que aquilo que ganha numa construção criativa que favorece a criação (ofensiva).
E a resposta de Cappa? A pergunta era: numa equipa que tivesse onze Iniestas quem é que defendia? Resposta: o adversário."

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