segunda-feira, 25 de abril de 2022

Estranhamente desligados


"O Benfica perdeu mais dois pontos, no Estádio da Luz, com o Famalicão (0-0), que garante assim um valioso empate na luta pela manutenção. Equipa de Nélson Veríssimo dificulta ainda mais a corrida ao segundo lugar

Os 11 remates do Benfica na primeira parte foram quase uma ode à mentira. Tresanda a massacre ou imparável ofensiva, mas não foi bem assim. O ritmo dos primeiros 45 minutos foi baixíssimo, baixo como se as pernas e a mente dos futebolistas, castigadas em Anfield e Alvalade, tivessem implorado por uma descompressão ou o que mais perto está de uma folga.
Com alguma surpresa, Gil Dias e Paulo Bernardo saltaram para a equipa principal de Nélson Veríssimo, que ainda mantinha um pedaço de esperança em alcançar o segundo lugar, até ver seguro pelo Sporting. Diogo Gonçalves e Gil Dias faziam de Everton e Rafa, o que transformou o jogo interior do Benfica quase inviável. As conduções de bola, denunciando a falta de qualidade de jogo, acumularam-se. As más decisões, idem. Os lisboetas teriam sempre muita bola, acertariam muitos passes, mas não faziam mossa na organização defensiva do adversário. Faltava veneno, agressividade a atacar o espaço ou nas combinações, o que melhorou a certa altura da segunda parte.
Do outro lado, o Famalicão de Rui Pedro Silva apresentou-se bem organizado, mas não demasiado recuado nem agressivo sem bola, e tentou alimentar sobretudo Banza (interessante relação com bola, sofreu cinco faltas nos primeiros 35’, segundo a GoalPoint) e Pedro Marques. Alex, Riccieli e Alexandre Penetra repetiram duelos moles com os avançados rivais, à frente da baliza de Luiz Júnior, ganhando muitas bolas aos muito desafinados Darwin Núñez e Gonçalo Ramos, que aprecia as comparações com Thomas Müller. No meio, Pickel e Pêpê, que tentava conter a precipitação alheia, vigiavam Weigl e Paulo Bernardo, que antes do cronómetro mostrar 2’ já tinha rematado (torto, é certo).
O jogo estava tão desinteressante, tão digno de final de época, entre equipas que nada têm a garantir, o que está longe da verdade – Famalicão, que não vencia há seis jornadas, ainda corre pela manutenção e o Benfica pelo segundo lugar –, que entrávamos numa certa distopia ao ver em Gilberto lances neymarescos, com cabritos arrancados da relva ou cuecas no corredor oposto.
Também o ritmo das cantorias no Estádio da Luz era apático, desapaixonado, como se este jogo fosse uma mera formalidade. Antes do intervalo, Gonçalo Ramos, depois de um lance bizarro em que a bola visitou o céu, e Diogo Gonçalves, na ressaca de um canto de Grimaldo, foram os jogadores que estiveram mais perto de marcar.
A toada manteve-se na maioria dos segundos 45 minutos, no jogo amorfo de direção única, quase sem associações felizes e dinâmicas entre colegas e no ralenti. O Famalicão, talvez apercebendo-se da possibilidade de poder fazer uma gracinha na Luz, demonstrou mais alguma genica, ainda que efémera.
E Veríssimo, quem sabe aborrecido com a desconexão da equipa, mudou o corredor direito, aos 57’, sacando do relvado Diogo Gonçalves e Gilberto. Gil Dias passaria a jogar ali, com André Almeida nas costas, enquanto a entrada de Roman Yaremchuk empurrava para a esquerda Darwin, o que normalmente é uma boa notícia para o uruguaio, que começou a complicar mais a vida de Hernán de la Fuente.
O Benfica melhorou, os visitantes encolheram-se ainda mais. Gil Dias ganhou alguma preponderância, obrigou o guarda-redes do Famalicão a uma grande defesa. Grimaldo e Yaremchuk (que quase foi feliz aos 97’), quando ligavam por dentro, melhoravam ligeiramente o funcionamento da equipa. André Almeida cruzou e a bola pareceu desviar-se dos pés dos colegas todos ali quase, quase na pequena área. Paulo Bernardo, corajoso, tentou ser feliz com um pontapé de bicicleta. Luiz Júnior, ao contrário de Vlachodimos (o único calafrio foi uma má entrega do próprio), começou a ter de justificar o lugar que ocupa e acabou por ser decisivo. O menino Paulo Bernardo foi substituído pouco depois por Adel Taarabt, que prometia descobrir outras rotas para o golo. Gil Dias deu lugar a Radonjić, ora perigoso e valente, ora forçando demasiado o drible e caindo no esquecimento.
O ritmo subiu ligeiramente, até porque o horizonte onde moram os 90 minutos sente um desamor terrível a zero-zeros. Também o Famalicão, com um mar verde imenso por explorar, obrigou Nicolás Otamendi a confirmar que é o patrão desta equipa.
Na altura que foi levantada a placa com os sete minutos de compensação, os adeptos acordaram, tentaram lembrar um familiar muito distante do inferno da Luz. Mas já ninguém teria energia, ideias e alma para fazer um golo.
Os jogadores do Benfica, apáticos e ocos no olhar, foram assobiados no final por alguns adeptos e falham assim a hipótese de pressionar o Sporting, na luta pelo segundo lugar. Já o Famalicão, que nunca tinha pontuado na Luz, conquista um valioso ponto para a luta pela fuga à despromoção."

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