terça-feira, 29 de março de 2022

Reino Unido do futebol Portugal-Brasil


"O jornalista brasileiro Paulo Vinícius Coelho escreve sobre as relações entre Portugal e Brasil na história e na história de futebol, numa altura em que o nosso país tem quatro treinadores entre as principais equipas brasileiras e Portugal festejou dois golos frente à Turquia marcados por jogadores nascidos no Brasil

Abel Ferreira será o técnico mais bem remunerado de toda a história do futebol da América do Sul, pergunta-se se poderá ser o próximo treinador da seleção brasileira, mas pode até interessar à portuguesa, ora, dependendo da permanência ou saída de Fernando Santos após a Copa do Mundo – ou do confronto contra a Macedónia do Norte.
A imprensa brasileira comemorou a renovação de contrato de Abel com o Palmeiras, no último sábado, duzentos anos depois de Dom Pedro IV – Dom Pedro I do Brasil – ter informado Dom João VI sobre sua permanência no Rio de Janeiro, em vez de retornar a Lisboa.
Os livros de história do Brasil registram o episódio como “O Dia do Fico”, em 9 de janeiro de 1822.
O de Abel foi 26 de março de 2022.
Enquanto Portugal exporta treinadores ao Brasil, no caminho inverso de 35 anos atrás, Fernando Santos comemora dois golos de jogadores nascidos no Brasil e que podem levar Portugal à sua sexta Copa do Mundo consecutiva.
Não faz tanto tempo, os brasileiros orgulhavam-se de Portugal ter alcançado as meias-finais mundiais duas vezes, ambas com selecionadores nascidos no Rio de Janeiro (Otto Glória) e Rio Grande do Sul (Scolari). Pois o mundo dá tantas voltas... As três Copas Libertadores mais recentes foram vencidas por equipas brasileiros, dirigidas por portugueses, e Portugal tem tudo para se apurar ao Mundial com golos de Otávio e Matheus Nunes.
Otávio nasceu em João Pessoa, capital da Paraíba, na região Nordeste do Brasil, e Matheus Nunes, nascido no Rio, recusou a chamada de Tite, porque se sente português. Anotou seu primeiro golo como internacional contra os turcos e livrou a dificuldade da partida.
Abel vive num bairro português. Ou quase. Perdizes está situado na zona oeste da cidade de São Paulo. O distrito onde está localizado o Palmeiras nasceu com este nome, porque lá havia chácaras onde se criavam perdizes. Aos poucos, passou a ser uma mistura de italianos e portugueses. Cresci ali, em meio à quitanda do seu João e aos entregadores de pão, como meu avô, Alexandrino. Meu avô dizia a meu tio para ser adepto da Portuguesa.
Mas o fez sócio do Palmeiras, perto de sua casa.
Ora, pois... Silvinho, jovem gajo português, virou palmeirense e nunca foi adepto da Lusa, o apelido da Portuguesa, de São Paulo.
Como Silvinho, muitos Coelhos, Teixeiras, Santos, Simões tornaram-se adeptos do Palmeiras. Mais ainda depois de Abel Ferreira mudar-se para Perdizes.
Na verdade, está a residir no Jardim das Perdizes, do outro lado da ponte, onde o bairro se chama, de facto, Barra Funda. Dali, escuta o barulho dos palmeirenses das Perdizes e da Pompéia, a região formada por italianos e portugueses. Formaram seus descendentes brasileiros.
Este Coelho, por exemplo.
Vitor Pereira vive do outro lado da cidade. Palmeiras e Corinthians são como vinho e vinagre, como Benfica e Sporting, os palmeirenses no oeste e os corintianos no leste, a região mais pobre e operária da cidade. Lá onde estão os principais problemas, seja das ruas esburacadas, onde Abel Ferreira diz não se poder conduzir uma Ferrari, até a estrutura do futebol.
Pereira chegou com a época já iniciada, com cobranças inversamente proporcionais ao tempo para treinamentos.
Pela primeira vez, serão quatro portugueses na Série A do Brasil. Número inédito. No passado, Portugal exportou selecionadores ao Brasil, como Jorge de Lima, o Joreca, três vezes campeão pelo São Paulo, ou Cândido de Oliveira, selecionador do Flamengo em 1950, último português antes de Jorge Jesus.
Depois de Otto Glória, Marinho Peres, Carlos Alberto Silva e Scolari, atletas como Otávio, Matheus Nunes e Pepe orgulham-se por defender Portugal.
Do outro lado do oceano, Cristiano Ronaldo tem cunhado a viver no Nordeste brasileiro.
O hino do Vasco da Gama, o primeiro clube brasileiro a propor a vinda de Jorge Jesus, antes do Flamengo, diz ser um laço de união Brasil-Portugal.
O Rio de Janeiro é uma cidade mais portuguesa do que São Paulo e não porque ali vivem Paulo Sousa e, a partir de agora, Luís Castro. Craque consagrado com duas Champions League, Sousa dirige uma nação, como se auto definem os adeptos, por serem quarenta milhões. Os botafoguenses são pouco mais de 7 milhões, também alocados no município, cartão de visitas do Brasil e capital do país até 1960.
O Rio é mais português, porque São Paulo recebeu muitos italianos e a família real instalou-se na antiga capital em 1808, copiando arquitetonicamente muito do que se vê em Lisboa. Tanto Dom João, quanto mais tarde Dom Pedro II instalavam-se longe das praias, para fugir do calor. Hoje, Sousa e Castro estão na parte mais nobre para os cariocas, a zona sul, de Ipanema e Copacabana.
Nunca nos esqueçamos. Em 1815, a coroa nos deu a nomenclatura de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Abel Ferreira é Imperador do Brasil, Otávio artilheiro de Portugal e o Portimonense tem treze brasileiros em sua equipe, no Algarve.
Pois hoje os treinadores portugueses trabalham no Brasil e os jogadores brasileiros defendem Portugal. É como se o futebol fizesse questão de nos mostrar que ainda somos todos um mesmo povo."

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