"Lembras-te de algum destes nomes da era da formação pré-Seixal?
O Seixal é por estes dias visto como uma academia de formação de elite, de nível mundial, onde jogador que de lá saia terá, quase na totalidade dos casos, qualidades acima da média.
A taxa de aproveitamento do jogador saído da formação encarnada subiu consideravelmente na última década, com múltiplos casos que se evidenciaram na equipa principal antes de se afirmarem nas maiores ligas.
A melhoria substancial deu-se com a estabilidade adquirida pela inauguração do Caixa Futebol Campus, em 2006, permitindo aos escalões jovens assentar arraiais num complexo com todas as condições para crescer, sem necessidade de se andar com a casa às costas como até aí.
Essa indefinição no crescimento dos futebolistas proporcionava uma falta de acompanhamento inimaginável aos dias de hoje.
Ao jovem regrado de agora, com tudo ao seu dispor em troca de bons índices de disciplina, contrapôs-se durante muito tempo o centro de estágio debaixo do Terceiro Anel, os múltiplos campos de treino durante a temporada e a falta duma estrutura diretiva profissional que soubesse sustentar, desportiva e pedagogicamente, a transição entre criança e homem, entre os sonhos do jogador amador e as exigências do jogador profissional.
O funil de aproveitamento estreitava-se, muito menos eram aqueles que conseguiam chegar lá acima e afirmar-se entre os seniores do clube. Grande percentagem, com mais ou menos qualidade, ficavam para trás por falta de apoio.
Reunimos cinco exemplos de prodígios que conseguiram evidenciar-se em idade muito tenra – eram já, na adolescência, craques com fama na consciência futebolística nacional – mas que, por diversas razões, não confirmaram no profissional as proezas sobre-humanas conseguidas na juventude.
1. André Carvalhas
Numa altura onde o fosso entre Juniores e Séniores não era preenchido pelas equipas B ou Sub-23, quase inalcançável era a afirmação de jovens talentos. A André Carvalhas, o primeiro grande prodígio do Caixa Futebol Campus, adivinha-se grande futuro – que o seu talento conseguiria fazê-lo saltar da formação para a equipa principal sem qualquer tipo de problemas.
As extraordinárias capacidades na organização, drible e condução faziam dele um às do último terço – e essas qualidades não passaram despercebidas, naturalmente, a José António Camacho em 2007-08, que o convocou para quatro partidas e o integrou junto dos mais velhos.
Chegando Quique Flores, no ano seguinte, é emprestado a Rio Ave e Olhanense, sem reais condições de conseguir lutar por um lugar em plantéis com necessidade urgente de conquistar pontos.
Não havendo paciência, André nunca conseguiu ser figura de registo e em 2009, com Jorge Jesus, perdem-se as esperanças, iniciando-se caminhada sem destino certo. Fátima, Trofense, Naval, Moreirense, Tondela, Portimonense, Cova da Piedade, Académico de Viseu.
Um percurso maioritariamente feito pela Segunda Liga, tornando-o um histórico do segundo escalão – tem três títulos conquistados – e uma peça desejada por quem se assume, ano após ano, candidato à subida.
No vídeo, o livre direto já nos descontos que permitiu ao CD Tondela subir pela primeira vez ao escalão principal. Estávamos em 2014-15. E Carvalhas, ainda que não num palco à medida do seu talento, inscreveu o seu nome na história daquele clube.
2. Manuel Fernandes
Talvez aquele que tenha alcançado maior notoriedade nacional e internacional, ainda que muito longe daquilo que prometia em inicio de carreira – principalmente quando é responsabilizado por Giovanni Trapattoni de suportar o meio-campo encarnado juntamente com Petit.
É nessa fórmula que o SL Benfica recupera o título nacional 11 anos depois e com essa base que alcança os quartos-de-final da Liga dos Campeões no ano seguinte. Manelélé, como o craque que lhe emprestou alcunha, era um todo um terreno quase ominpresente.
No caso de Manuel, a técnica prodigiosa permitia-lhe ser também uma ameaça na organização e definição já no último terço – como esquecer o golo ao Villareal? -, tendo o perfil ideal para outros futebóis, como o inglês.
O Everton apaixonou-se pelo seu talento, vem a Portugal buscá-lo por empréstimo no inicio de 2006-07 num processo polémico que mancharia a reputação do jogador. Na Luz nunca perdoaram Manelélé pela fuga e falta de boa vontade nas negociações, e o jogador nunca mais a Portugal voltaria, apesar de ser intermitentemente chamado à Seleção.
Depois de Everton, Valência, Besiktas, Lokomotiv e hoje, com 36 anos, defende o Apollon Smyrnis, clube grego de menor expressão. Carreira de respeito, mas aquém do que lhe previa quem o viu a surgir na equipa principal do SL Benfica.
3. Pepa
O atual treinador do Vitória SC tem história de vida para dar e vender. Prodígio futebolístico, descobre-o o SL Benfica em 1994, com 13 anos. De Torres Novas muda-se para Lisboa, com os ares metropolitanos da capital a provocar no jovem Pepa um entusiasmo que não o ajudaria.
Muito menos quando aos 15 anos passa a receber 120 contos por mês. Agravaram-se então os problemas do deslumbramento, com os caminhos sinuosos das tentações terrenas a multiplicarem-se fora de campo. Aos 18 anos, o cenário piora.
Já depois de ser campeão europeu de seleções desse escalão etário e melhor jogador, o SL Benfica torna-o no júnior mais bem pago de sempre do futebol português: 1000 contos mensais. Um balúrdio para tão pouco juízo. Festas, álcool, prazeres da vida e «amigos da onça» sugavam-lhe a carteira.
Dentro de campo, a saúde e frescura juvenil permitia continuar a somar sucessos. Estreia-se em janeiro de 1999, num Benfica-Rio Ave. Rende Nuno Gomes já perto do fim, mas ainda vai a tempo de assinar na folha de marcadores. Aliás, nem pediu muito relógio: em 15 segundos e ao primeiro toque na bola, faz golo.
Num Terceiro Anel sedento de ídolos numa fase de pouco palmarés, estava encontrado o novo Eusébio. Mais holofotes virados para Pepa, que não tinha arcaboiço nem responsabilidade para tanta atenção. Lierse, Varzim, lesão grave pelo meio, Paços e Olhanense – e pronto, com 26 anos arruma as chuteiras, resultado de uma ‘bola de neve’ de consequências derivadas das loucuras dos primeiros anos.
Momento de reflexão para renascer das cinzas, torturado e sábio pelas memórias das oportunidades perdidas à custa das próprias más decisões. A partir daí, subida a pulso como técnico principal, dos distritais à Primeira Liga, onde é por estes dias dos treinadores mais promissores da nova vaga. Redenção total.
4. Edgar
Quem o estreia na primeira equipa é Artur Jorge, na Supertaça 1994-95, jogada já no final da época em Paris, contra o Futebol Clube do Porto. Edgar tinha 18 anos mas era já um poço de força no ataque às balizas adversárias, usando e abusando dos atributos físicos para fazer valer os técnicos, também de outro quilate.
Pelas alas ou pelo meio no apoio a um avançado de referência, Edgar assume-se como peça importante logo em 1995-96, com 31 jogos oficiais. No total ao serviço dos encarnados foram 68, com 11 golos marcados até 1997 – com um empréstimo ao Alverca pelo meio – números que justificam uma investida do Real Madrid. Bomba mediática, é apresentado no Bernabéu como nova ‘pérola portuguesa’: jogava no Castilla mas treinava com os AAs.
«Não sabia se havia de treinar com eles ou pedir-lhes autógrafos». Pois, imaginamos. Havia Karembeu, Raúl, Suker, Mijatovic. E outros: «O Redondo era craque e aconselhava-me muito, assim como o Seedorf, o Roberto Carlos, enfim, grandes jogadores».
Porém não era a única coqueluche dos mais velhos, a ele se juntava como aprendiz… Samuel Eto’o. «O Real Madrid tinha sido campeão europeu e tinha vários jogadores que vinham do Mundial de 1998. Aquilo foi incrível, os carrões todos à porta, aqueles craques todos…e o Guus Hiddink acabou por abdicar de dois campeões europeus, o Victor e o Amavisca, para apostar em mim e no Samuel Eto’o, que tinha 18 anos.»
O camaronês chegou-se a estrear, Edgar não sairia do banco. Pouco depois, era emprestado ao Málaga, então na La Liga 2. Ajudaria os andaluzes a subir nessa mesma temporada e gostou tanto da experiência que pelo La Rosaleda se manteve mais 7 anos. Uma vida, quase. Chegaria aos Quartos da Taça Uefa em 2002-03 – eliminado pelo Boavistão de Pacheco -, prestação europeia máxima da equipa até 2011-12.
Ao todo foram 187 jogos e estatuto de histórico. Em 2007 regressava a Portugal, para representar o… Boavista, em ano de deduções pontuais e punições severas resultado da conclusão das investigações do Apito Dourado. Escapou-se para o Chipre, para o AEK Larnaca, mas irregularidade nos salários provocariam o fim de carreira para Edgar.
Não se estava para chatear. Botas arrumadas, foi estudar. Licenciou-se em Gestão das Organizações Desportivas, na Universidade Lusíada, e é hoje Técnico Administrativo de Finanças ao serviço da Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública.
Como vídeo que acompanha a descrição houve duas opções – este, o da estrondosa exibição contra o FC Porto na meia-final da Taça de 1996-97, onde assistiu e marcou. Ou o golo no Artemio Franchi frente à Fiorentina de Rui Costa e Batistuta, ajudando o SL Benfica a vencer 1-0, muito positivo mas insuficiente – os italianos tinham feito 0-2 na Luz. Optámos pelo jogo em que saiu melhor aos dois, Edgar e SL Benfica.
5. Cavungi
Este golo marcado ao Boavista não é o melhor para sintetizar as maiores qualidades de Manuel Francisco Salvador, nascido em Luanda em 1957 e cedo repescado para os escalões de formação dos encarnados.
Sob comando do bicampeão europeu e lapidador de diamantes Ângelo Martins, juntou-se a Chalana para se assumir como grande figura das equipas campeãs nacionais de juniores em 1974-75 e 75-76, à custa de muitos golos. Tantos golos que já é integrante a full-time do plantel sénior em 1976-77, quando Mário Wilson decidiu já ser altura de colocar o jovem Cavungi a aprender com os craques.
No ano seguinte chega Mortimore, que lhe dá a oportunidade de cumprir a melhor época da carreira ao alto nível: 20 jogos e quatro golos, que não terão repercussão nas duas épocas seguintes, onde volta a ser última alternativa.
Chega ao Braga em 1980-81, acumulando 10 titularidades em 20 participações na Primeira Divisão – o Benfica, sentindo-o mais preparado, repesca-o. Mas Lajos Baroti tinha Néné, Reinaldo, Filipovic, Jorge Gomes ou Chalana, que entretanto tinha conseguido afirmação muito mais assertiva na equipa e era figura de cartaz.
Cavungi voltou para continuar esquecido. Para 1982-83, chega Eriksson que montará a equipa finalista europeia – Cavungi não entra nos seus planos e o GD Alcobaça, estreante no escalão máximo, assegura os seus serviços.
Seria a última época do clube do Oeste e do angolano na Primeira Divisão. Aos 26, dizia adeus à elite e jogaria o resto da carreira nas divisões inferiores, sem nunca cumprir o imenso potencial que mostrou enquanto menino na Luz."
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