terça-feira, 22 de março de 2022

Crónica de uma viagem a Amsterdão


"Quando saiu o primeiro sorteio, a logística parecia simples: viagem de 6 horinhas de carro até Madrid e bora lá defrontar o Benfica de Espanha, o grande Real Madrid. Mas com a repetição do sorteio, a logística mudou: Amsterdão já implica aeroportos. Mas nada que não se resolva e nas semanas seguintes o plano foi ganhando forma: paragem em Bérgamo para lá, escala em Barcelona para cá. Viagens compradas mesmo antes de haver confirmação de que haveria público no estádio, diga-se. Valeu a pena a crença num final feliz ("em último caso, vemos lá num bar qualquer!").
Véspera do jogo: acordar, pegar na mochila já feita de véspera e arrancar de metro para o Aeroporto de Lisboa. Encontro com os companheiros de viagem e siga para dentro do avião, rumo a Bérgamo, em Itália. Onde ficaríamos umas seis horas, por isso oportunidade para visitar a cidade e reparar na sua beleza e nas várias referências ao clube local, a Atalanta. Depois de subirmos num funicular até à parte alta da cidade, uma procura rápida por um bom restaurante através do amigo google, leva-nos a uma espécie de cooperativa social (segundo percebemos) que tinha uma entrada humilde, mas um interior enorme e cheio de estilo, que muito nos surpreendeu. Em Itália, sê italiano e por isso a refeição tinha que ser pizza, claro. E apostamos no vinho, sabendo que cerveja já muito iríamos beber nos próximos dias. As horas voaram e era tempo de regressar ao aeroporto, com destino a Holanda. Ou Países Baixos. Eles que se decidam como querem ser chamados.
A chegada foi já para lá das 22h30, mas sabíamos que a noite estava apenas a começar. Comboio para o centro da cidade, deixar as mochilas no hostel e siga para o famoso "Red Light", onde as informações já nos chegavam de grande animação benfiquista. E assim confirmámos: por uma noite aquela zona da cidade foi vermelha não só pela cor da decoração das "montras humanas", mas pelas camisolas, cachecóis e cânticos de centenas de benfiquistas lá presentes. Já foi é difícil arranjar cerveja, pois os bares estavam a fechar e a tradição de beber na rua não é tão bem aceite como cá em Portugal. Felizmente havia uma discoteca perto do nosso hostel, o que nos permitiu viver a noite ao máximo, como pretendíamos.
Dia do jogo: Acordar às 10 horas e arrancar para um local mítico e muito especial na História do Benfica: O Estádio Olímpico de Amsterdão. Só e apenas o terreno sagrado onde há 60 anos o Glorioso foi Bicampeão Europeu! Não foi possível fazer uma visita guiada sem marcação, mas bastou circundar o estádio e espreitar lá para dentro para me imaginar numa viagem no tempo com Eusébio a poucos metros de mim a fazer o 4-3 e o 5-3 ao Real Madrid e José Águas a levantar a Taça dos Campeões Europeus.
A tarde foi passada numa cervejaria, com petiscos e cerveja (tão cara! Aliás, tudo tão caro! Amsterdão não foi feita para os pobres portugueses) e era tempo de arrancar para o estádio. Pelo caminho paragem para comer um burrito e percebermos que o empregado era português, o que nos levou a cantar-lhe coisas como "e faz um burrito allez" ou "Nós só queremos o burrito campeão". A cerveja ajuda a estes momentos que são parvos, mas que são as melhores memórias que ficam destas viagens e que daqui a meses ainda nos vão provocar gargalhadas.
A ida de metro até ao estádio foi um sem fim de cantorias, para espanto dos locais, muitos que também iam para o estádio, até percebermos que não saímos na estação que estava designada aos adeptos visitantes. Quando damos por ela, estamos rodeados de milhares de adeptos do Ajax nas imediações do estádio. Nada de grave, avançamos pelo meio deles (todos nos vestirmos de vermelho ajudou) e até ainda nos cruzamos com um adepto do Ajax que tínhamos conversado na cervejaria horas antes.
O estádio é bonito e imponente, mas com uma arquitectura interior a fazer-me lembrar muito Alvalade (e a quantidade de vezes que os adeptos da equipa da casa resmungaram com o árbitro, mais me fez sentir estar a jogar com os rivais do outro lado da 2ª circular. Se esses se vestissem melhor, claro). O ambiente pré-jogo é fenomenal e intimidante, mas assim que o jogo começa percebemos que os 3.000 Benfiquistas têm tudo para dar um show de apoio, como sempre acontece nestes jogos fora. O nosso Benfica lá se ia aguentando no relvado, com pouca posse de bola, mas muito rigor defensivo e ao intervalo continuava tudo igualado.
A 2ª parte decorreu de forma semelhante até ao golo do Darwin. E terá sido dos maiores festejos que me recordo numa bancada. É daqueles momentos em que por 30 segundos perdemos a noção do que fazemos, de onde estamos, de quem abraçamos, do que gritamos, do que pulamos. Euforia total. E depois sim cada vez mais: todos os 3.000 Benfiquistas agarraram-se ao momento e cantaram até faltar a voz. Poucas vezes cheguei ao final de um jogo tão cansado. Sinto e certamente todos naquela bancada sentiram que correram tantos quilómetros como os jogadores.
Com o apito final veio outro daqueles momentos orgásmicos que falava em tempos o bibota Fernando Gomes e só lamento que os jogadores não tenham celebrado mais connosco. Foi muito bonito terem vindo fazer a vénia ao nosso sector antes do jogo, mas não haja dúvida que ainda há uma certa frieza entre adeptos e este grupo de jogadores. Serem todos tão recentes no clube e as más temporadas que têm feito não ajudam. Mas eles também têm que se abrir mais a nós.
Regresso ao centro de Amsterdão para mais convívio e tentar dormir umas horas. No dia seguinte houve alvorada às 6h da manhã, para dar início à operação "regresso a casa". Tudo tranquilo: viagem até Barcelona, almoço no aeroporto e avião final rumo a Lisboa.
De forma algo surpreendente, este Benfica está entre as oito melhores equipas da Europa e as conversas entre os amigos já começaram:
"Se for em Espanha, vamos de carro!".
"Se for em Inglaterra, tudo a tratar do passaporte o mais rápido possível."
"Se for em Itália, temos que fazer nova escala em Bérgamo e ir de novo àquele restaurante."
"Se for na Alemanha...ai cruzes credo. Que não seja na Alemanha!""

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