segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Quem anda a brincar ao rebenta a bolha com as contas?


"«Esse registo foi agora revertido na sequência das interações com a CMVM, não gerando essas operações qualquer mais-valia, tendo o Conselho de Administração da Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD procedido à reexpressão das contas anuais».

O Relatório e Contas da SAD do FC Porto referente ao primeiro semestre de 2021/22 trouxe uma boa notícia para quem defende a sustentabilidade do futebol português.
A CMVM não deixou passar a manobra contabilística assente na troca inflacionada de jovens com o V. Guimarães e os dragões recalcularam as contas anuais, apresentadas em outubro de 2021 com «o melhor resultado de sempre».
Meses depois de as contas anuais terem sido aprovadas pelos acionistas, o lucro histórico de 33,4 milhões de euros baixou para 19,3 milhões – descontando a pretensa mais-valia das vendas de Francisco Ribeiro e Rafael Pereira - e o total do ativo baixou de 407,8 milhões para 393,7 milhões – descontando o valor atribuído no momento da compra de Romain Correia e João Mendes.
Aqui chegados, percebemos que o projeto de engenharia financeira seguido pela equipa liderada por Fernando Gomes, em desespero de causa pelas transferências falhadas de Sérgio Oliveira e Vitinha no verão de 2021, foi travado pelos reguladores.
Ainda bem. O que podia ser uma boa solução imediata para a SAD do FC Porto acarretava um risco tremendo para o futuro. Se Romain Correia não chegasse ao patamar dos 11 milhões de euros estabelecido pelos dragões, por exemplo, quem iria lidar com esse prejuízo nas contas?
É que nem Sérgio Conceição deve ter concordado com a avaliação. Já utilizou dois defesas-centrais da equipa B e nenhum deles foi o internacional sub-20 português.
Fernando Gomes, antigo presidente da Câmara Municipal do Porto e administrador da SAD com a pasta financeira, costuma lamentar a ausência de valor contabilístico dos jovens provenientes da formação. Nessas ocasiões, socorre-se da plataforma Transfermarkt. O argumento é extremamente válido, mas são essas as regras do jogo financeiro.
O que não deve valer, pelo menos na singela opinião de alguém que optou pelas letras em vez das contas, é contornar o sistema e criar valor onde ele não existe. Seria um caminho muito perigoso até rebentar a bolha, como temos visto em outros mercados.
Olhemos então para o Transfermarkt e para o que ele, um mecanismo independente de avaliação financeira de jogadores, nos diz:
- Romain Correia
Valor pago pelo FC Porto: 11 milhões
Valor no Transfermarkt: 500 mil euros

- João Mendes
Valor pago pelo FC Porto: 4 milhões
Valor no Transfermarkt: 400 mil euros

- Francisco Ribeiro
Valor pago pelo V. Guimarães: 11 milhões
Valor no Transfermarkt: 0

- Rafael Pereira
Valor pago pelo V. Guimarães: 4 milhões
Valor no Transfermarkt: 125 mil euros

- Rodrigo Fernandes
Valor pago pelo FC Porto: 11 milhões
Valor no Transfermarkt: 1 milhão

- Marco Cruz
Valor pago pelo Sporting: 11 milhões
Valor no Transfermarkt: 0

Até um leigo na matéria percebe que as contas não batem certo. Aliás, só batem porque a CMVM levou o FC Porto a alterar a sua norma contabilística. E isso explica, entre outras coisas, a necessidade urgente de venda de Luis Díaz em janeiro.
Mas não se pense que esta manobra é um exclusivo azul e branco. O V. Guimarães, mergulhado numa perigosa crise financeira, estava disposto a seguir o mesmo caminho.
Até o Sporting, que agora até aparece formalmente de costas voltadas para o FC Porto, participou em manobra semelhante no verão de 2021, trocando Rodrigo Fernandes por Marco Cruz e avaliando o negócio em 11 milhões de euros.
Os dragões ainda não tinham colocado nas suas contas esta transação e a SAD do Sporting, em novembro de 2021, já referia que a troca teve «impacto nulo - em resultados e no ativo intangível» nas contas leoninas, seguindo os mesmos pressupostos que o FC Porto segue nesta altura.
Porém, dias antes do «impacto nulo» anunciado pela SAD do Sporting, o responsável de comunicação do clube chegou a dizer que a troca de jovens tinha evitado a venda de jogadores como João Palhinha, Matheus Nunes ou Pedro Gonçalves.

«Referindo-me aos valores, foi esta operação que permitiu que o Sporting evitasse vender jogadores titulares como Palhinha, o Matheus ou até o Pote», anunciou Miguel Braga, com pompa e circunstância.

Evitou como, se o impacto afinal é nulo?
Dois dias após as declarações do diretor de comunicação do Sporting, a CMVM anunciou estar atenta às movimentações.
Portanto, no início de novembro, a SAD do Sporting aplicou de livre vontade as regras contabilísticas corretas ou já foi a CMVM a motivar os leões a mudar de planos?
Evitem as manobras, negociem de forma antecipada e segura as vendas de ativos, reduzam os gastos e evitem rebentar a bola, por favor. Não brinquem com coisas sérias."

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