segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Futebol propriamente dito e a panela (de)pressão


"Antes de passar ao futebol propriamente dito, é necessário fazer um preâmbulo. Nos últimos anos, um Porto-Sporting ou um Sporting-Porto têm sido, quase sempre, jogos de uma fraternidade franciscana, em que participavam catolicamente jogadores, dirigentes e comentadores. Espiritualmente, eram jogos a feijões. Não havia zangas, nem pedradas. Não havia bolas de golfe, nem derrames tóxicos nos balneários. Os jogadores entravam em campo em paz, jogavam em paz e saíam em paz, almofadados por coros beatíficos e charangas afinadas de aplausos.
Também os adeptos comungavam em paz. E com eles os stewards, os apanha-bolas e até, imagino, aqueles senhores de colete azul para cuja existência fomos violentamente despertados na passada sexta-feira. As primeiras informações diziam que se tratava de técnicos de publicidade e eu não duvido que assim seja tal o empenho que puseram na tentativa de impingirem a Matheus Reis uma pomada para as dores lombares.
Há umas semanas, percebemos a importância dos apanha-bolas na estratégia do Futebol Clube do Porto. Creio que um desses (intermitentemente) solícitos repositores de bolas foi condecorado no Dragão e, como os mártires islâmicos, ter-lhe-á sido prometido que o clube cuidaria de toda a família caso ele não viesse a singrar no mundo do futebol. Esta semana, continuou o processo educativo de conhecermos todos os intervenientes no espetáculo não só pelas funções e equipamento, mas até fisionomicamente.
Já li opiniões a exigirem a irradiação destes indivíduos dos estádios de futebol, uma reação que me parece extemporânea. Estamos a falar de chefes de família, que trabalharam a vida toda para chegarem a técnicos de publicidade e que não podem ficar sem a principal fonte de rendimento de um momento para o outro. E, dada a provável ausência do engenheiro Luís Gonçalves nos próximos jogos, devido a um lamentável acidente de trabalho, aqueles homens têm legítimas esperanças de o substituir no banco do Futebol Clube do Porto e apresentar como trunfo da sua candidatura as imagens que provam o talento para as funções e o profissionalismo acima da média.
Isto significa que, como o país e o mundo puderam ver, o jogo entre Porto e Sporting não decorreu no habitual ambiente fraternal. Dizem os especialistas que acabou tudo numa grande confusão sul-americana, o que me parece uma grande injustiça para a indústria nacional do sururu. Em matéria de pancadaria, não ficamos atrás de ninguém. Temos de valorizar o que é o nosso e, para dizer a verdade, acho que até os sul-americanos têm alguma coisa a aprender connosco. Aquilo foi uma bela zaragata à portuguesa, no estilo “é feio, mas onde vai um, vão todos”, que é também uma bonita maneira de se ser energúmeno preservando, no entanto, um embrulho de desportivismo saudável.
Quanto ao futebol propriamente dito, logo de início foi uma autêntica panela de pressão. Pressão de um lado e do outro, com chispes e chouriços, batatas e nabos e uma grande vaca lá para dentro, que também faz parte. Ambas as equipas pressionavam bem, mas o Sporting, que é mais equipa, quando se conseguia soltar da pressão, e fazia-o de forma mais sistemática e segura, demonstrava ter a lição bem estudada. Mesmo sem Porro e Pote, e com Palhinha no banco por decisão do treinador, o Sporting faz sempre o mesmo e faz sempre da mesma maneira. Por isso, é melhor. O Porto, apesar da pressão, vive menos dos movimentos coletivos e, em comparação com o adversário, da inspiração dos indivíduos. O problema para o Sporting é que o Porto tem indivíduos como Fábio Vieira.
De futebol propriamente dito, estamos falados e se calhar já falei de mais. Ou de menos, por não ter louvado esse artista completo de nome Mehdi Taremi, goleador, acrobata e histrião. Só espero que a paz regresse rapidamente a estes clássicos e peço à pessoa que encontrou a carteira e o telemóvel de Frederico Varandas que faça o favor de os entregar nos perdidos e achados."

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