sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

(...) conhece Bruno Paixão desde 1994 e sabe como “o povo” o trata: “Nunca valorizou as boas decisões, mas jamais esquecerá os erros que cometeu. É assim com todos”


"Chegaram juntos à arbitragem, foram a casa um do outro e viu Bruno Paixão a crescer, casar-se e ser pai. Duarte Gomes escreve que “nunca, em tempo algum” o viu ter “comportamentos suspeitos, conversas estranhas ou atitudes censuráveis”. O antigo árbitro não põe as mãos no fogo por ninguém, mas acredita que o ex-colega será ilibado, apesar de saber que hoje “ser suspeito de alguma coisa é uma sentença de morte, com direito a carimbo”

Há momentos em que sentimos ser importante assumirmos posição pública sobre alguns temas da atualidade. Quando isso acontece em temas como este, mais sensíveis e fraturantes, expômo-nos à justiça de quem nos lê, de quem concorda ou discorda com a nossa opinião. Faz parte, chama-se democracia e não muda nada: o direito à crítica de uns, a liberdade de expressão de outros.
No caso em concreto, sei que o mais fácil seria não dizer nada. Ficar caladinho. Bastava alinhar neste vasto oceano de distanciamento onde agora tantos se posicionam. Mas o caminho mais fácil nem sempre é o melhor e, se cada um sabe de si, eu sei de mim. É por isso que decidi, na crónica de hoje, falar-vos sobre o Bruno Paixão e as notícias recentes que o envolvem.
Deixem-me que seja, antes de mais, muito claro: o que espero da justiça portuguesa, em qualquer circunstância, é que seja implacável na forma como condena qualquer tipo de ilegalidades. Espero que qualquer pessoa, formalmente considerada culpada de um crime, seja punida em conformidade. Seja quem for, seja onde for. Doa a quem doer.
Dito isto, começo por vos dizer que conheço o Bruno Paixão desde 1994.
Tirámos o curso de árbitros em distritos diferentes (eu em Lisboa, ele em Setúbal), mas subimos juntos até à primeira categoria nacional. Durante mais de vinte épocas estivemos em dezenas de cursos, estágios, jogos e ações de formação (em Portugal e, mais tarde, no estrangeiro).
Chegámos à 1.ª Liga muito novinhos — ele com 23 e eu com 24 anos —, algo cujo preço pagámos em campo: a vontade até era boa e muita, mas, nesta carreira, experiência e maturidade são fundamentais para arbitrar com categoria e respeitabilidade.
Com o passar dos anos e por entre acertos e erros, fomos crescendo, evoluíndo, calibrando a nossa bitola, definindo o nosso registo. Cada um no seu estilo, cada um com a sua personalidade e forma de estar, cada um com as suas ferramentas e ideias.
O Bruno foi menos feliz do que eu no famigerado sorteio, a forma como éramos indicados para os jogos quando chegámos ao futebol profissional: as bolinhas brancas colocaram-no várias vezes em jogos teoricamente exigentes e ele, muito verdinho e impreparado (tal como eu), nem sempre esteve à altura.
O impacto mediático de alguns dos seus erros acabou por ensombrar toda a sua carreira. O povo nunca valorizou as boas decisões que tomou, mas jamais esquecerá os erros que cometeu. É assim com ele, foi assim comigo, é assim com todos os árbitros.
Vi o Bruno crescer como homem (enquanto eu também crescia), vi-o casar-se e vi-o ser pai de duas meninas. Vi-o terminar o curso superior, gerindo estudos com trabalho e arbitragem. Estive algumas vezes na casa dele e ele na minha. Estivemos juntos em muitos momentos profissionais e pessoais. E participámos em várias reuniões da nossa associação de classe, numa altura em que os árbitros eram, de facto, unidos e juntavam-se regularmente para falar sobre a sua atividade, as suas condições, sobre presente e futuro.
Conversámos várias vezes sobre muitas coisas: sobre estratégias para sermos melhores em campo, sobre a forma como geríamos as nossas emoções e frustrações, sobre liderança, stress, momentos bons e maus, metas, família e tudo o que colegas e amigos conversam ao longo de uma vida. Tenho que ser totalmente honesto convosco quando vos digo que nunca, em tempo algum, vi o Bruno ter comportamentos suspeitos. Nunca, em tempo algum, o vi ter conversas estranhas ou atitudes censuráveis.
O Bruno não era (não é) perfeito e cometeu muitos erros dentro e fora do campo, mas nenhum deles alguma vez me levou a pensar, por um segundo que fosse, que o fez de forma premeditada ou intencional.
Na verdade, tenho-o como um homem sério, como uma pessoa de bem e, não sendo ingénuo ao ponto de pôr as mãos no fogo por ele — garanto-vos que, com esta idade, não as ponho por ninguém —, acredito piamente que está inocente neste processo.
O que espero é que a justiça disciplinar e civil sejam minuciosas e incisivas. Espero que investiguem tudo e que vão até as últimas consequências para desmontar esta trama, ilibando quem têm que ilibar e punindo quem têm que punir.
Se o Bruno for culpado, que pague por isso e que pague bem. Mas se for ilibado (como estou convencido que será), que as pessoas que já o chacinaram publicamente tenham ao menos a decência de reconhecerem que se precipitaram. De admitirem que caíram no erro de confundir o árbitro com o homem.
Hoje em dia, ser suspeito de alguma coisa é uma sentença de morte, com direito a carimbo. Mesmo que a justiça até clarifique a situação, os danos reputacionais causados a quem vê o seu bom-nome espezinhado em praça pública são quase sempre irreversíveis. Isso está mal, seja o atingido um árbitro, um dirigente, um político ou um carpinteiro.

Nota final
Um dia, um velho amigo disse-me que as amizades a sério vêem-se quando estamos na cadeia, no hospital ou num funeral. É aí que percebemos quem realmente está connosco, quem está ao nosso lado, quem não nos abandona. Ser amigo quando estamos na mó de cima é fácil. Difícil é ficarmos com eles quando as coisas correm mal. Tenho pensado muito nisso, agora que ouço o silêncio ensurdecedor de tanta gente que já devia ter assumido uma posição.
Que mundo este…"

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